quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

CINE SANTO ANTÔNIO: NOSSO CINE PARADISE

DOUGLAS MENEZES Acabou já há alguns anos. Duas décadas talvez, que cinema de interior e subúrbio não existe mais. Mas é parte da história do Cabo e alguns maduros de outras gerações lembram muito bem dele. A sirene convocava meia hora antes para a sessão diária. Depois a dez minutos mais um toque e um terceiro no início da exibição. Era sim que nossa única sala de espetáculo chamava o povo para o pouco lazer do Cabo, industrial, porém ainda muito provinciano. As filas se faziam imensas, como se a cidade inteira, hipnotizada buscasse o único instrumento de sonho aqui disponível: O Cine Santo Antônio, da Rua da Matriz. O poder mágico do cinema transportava pobres e remediados, único espaço do município destinado à sétima arte. Acanhado, sem conforto. calor intenso, ventiladores que faziam mais barulho que vento. Equipamento vez em quando falhando, mas era a nossa única “válvula de escape”, nossa catarse. A identificação com os heróis de meninos, jovens e adultos. Heróis que jamais seríamos nos fastiosos dia a dia de décadas passadas. Para os meninos pouco importava a baixa qualidade da exibição ou as sofríveis atuações dos atores de filmes classe C. O que valia era a imitação, dia seguinte, daqueles “artistas” derrotando os “bandidos”: Hércules, Maciste, Sansão, Ursus, entre outros. A gritaria ensurdecedora. A empatia total, com a vitória do bem ,sempre. Televisão para poucos. Tempo românticos. Não só aventuras extravagantes, mas filmes épicos, que o lado sisudo da cidade fazia questão de assistir novamente. Os Dez Mandamentos, Ben-Hur, El-Cid, Os Reis dos Reis. Pai levou o filho, que dormia em meio à exibição. Filho depois gostou de cinema até hoje. Soldado vendia amendoim torrado e cozinhado, pastilha, chiclete. Lá dentro, no ambiente cheio de calor, às vezes com muita gente em pé, de súbito quebrava a fita. A interrupção, os espectadores gritando: olha o roubo, olha o roubo...! Até hoje não entendo o que era roubado. Quando do retorno da exibição, cenas adiante eram mostradas, aumentando o inconformismo. Talvez fosse isso o roubo tão gritado pelos cinéfilos do Cabo. Matinês aos domingos. Duas sessões finais de semana. Cinema em Recife só para os intelectuais e os “ricos”. Nossa sala de espetáculo era o Cine Santo Antônio. Boa ou ruim só havia ela. Tão importante que até determinava as horas:dez horas, o cinema terminou. Foi assim por décadas. Alimentando uma fantasia. Fazendo arte sem nem se dar conta. Aceitemos ou não, foi um estimulador cultural do Cabo. Nosso Cine Paradise. Incentivou a criatividade das crianças, diminuiu o vazio, fez a gente pensar um pouco. Teve até cinema de arte, promovido por jovens idealistas, como Roberto Menezes, Murilo Lages, Wilson Nascimento. Tudo isso na época que menino fazia seu brinquedo, inventava suas brincadeiras. A noite era mais iluminada com o Cine Santo Antônio. Ele acabou, como todos os cinemas de rua. A rua da Matriz, movimentada durante o dia é só tristeza à noite. Morreu a alegria noturna. O cine Santo Antônio se foi, levado pra nunca mais voltar. Douglas Menezes é professor, escritor e membro da Academia Cabense de Letras.

Um comentário:

  1. tereza helena soares28 de abril de 2010 às 08:01

    O cine Santo Antônio foi fundado por meu avô paterno, Antônio Casimiro, e eu me orgulho disto. Talvez, Antonino Júnior, diretor da Casa da Memória do Cabo, ainda não tenha essas informações...Mas nada nos impede de resgatá-las através dos que ainda estão vivos na família.
    Abraços aos dois companheiros de Academia Cabense de Letras.

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