POESIAS

 





A Carlos Drummond de Andrade
João Cabral de Melo Neto

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.

Não há guarda-chuva
...
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
 


MEDITANDO
Octacílio Pereira de Carvalho - "Seu Ota"

Ignoro se provenho das moneras
Dos óolitos caídos noutras eras,
Resultantes de choques siderais.

O que sei é que fui jogado ao mundo
Para ingressar no grupo mais fecundo
Da escala zoológica dos mortais.

Mas se perscruto e se vasculho a mente,
Sinto que existe um SER onipotente,
Que domina do mundo os elementos.

Uma força que faz girar planetas,
Perfumar flores, ornar borboletas,
Doar aos homens cérebros portentos.

Desse poder sublime escuto o eco,
Constantemente, a me dizer assim:
“Eu sou o teu autor, pobre boneco,
Sou teu princípio, sou o meio, o fim”.

“tudo que existe, tudo que se cria
dentro do cosmo, da biologia,
é lei eterna que obedece a mim.”
E esse brado que os tempos atravessa,
Queiram ou não queiram crentes ou ateus,
É a voz infalível que não cessa
De dizer para o homem: “SOU TEU DEUS!”

Otacílio Carvalho (um gênio do sertão!)

 Margarida e margaridas

Carmen Lúcia


Figura sinistra, simbólica,
que trago em minha memória,
que faz parte de minha história...

Metódico e irreverente, despojado e carente,
sábio e indolente, infeliz ou demente...(?)
Lembrava Cristo, fisicamente.
Vestes rasgadas, cabelos longos, barba mal aparada.
Ou quem sabe, um anti-Cristo,
oscilando entre o normal e o descomunal,
às margens do convívio social.

Andava pelas ruas e calçadas
fazendo gestos sem nexo, sem fazer mal,
balbuciando palavras distorcidas,
apavorando os perplexos normais
que temiam uma conduta anormal.

Um buquê de margaridas,
alvas, brancas, cultivadas,
a todos ele ofertava (e se orgulhava),
pois, por ele eram plantadas
em terras baldias, abandonadas.
Flores por todos ignoradas.

Havia momentos de agitações.
Delírios, alucinações, comoções...
Então ele era rei, poeta e compositor,
erguia o cabo da vassoura e era imperador!
-Camisa de força para o louco, o agitador!
Ao som da sirene era levado a um abatedor ...

E num desses manicômios,
tratamento de choque, fortalecer neurônios,
encontrou sua Margarida, sua amada, sua vida
e como loucos, amaram-se mais que o normal.
Amor que surpreendeu a muita gente
pela doçura, pela brandura de dois doentes.

Porém um dia, não mais a encontrou.
Levaram-na dali, outro rumo tomou
e transtornado pela dor, o louco chorou.

Não mais quis ser rei nem imperador.
Somente poeta pra cantar a sua dor...
Até que um dia para sempre se calou.
E numa cova fria, em pó se transformou,
ou foi ao encontro de seu amor...

Ao passar o tempo, viram lá nascer,
fazendo a cova triste resplandecer,
risonhas e brancas margaridas...
Vida e paixão, após a morte, restabelecidas.

Carmen Lúcia

Por
www.drjoaosavio.blogspot.com

 O SILÊNCIO DA PEDRA BRUTA
"Para D. Hélder Câmara, por sua luta obstinada contra a miséria e a fome".
                                                                       MARCÍLIO SAMPAIO

Angola
Biafra
Moçambique
Etiópia
Nordeste do Brasil.
Gritos de dor,
de angústia
e de miséria,
gritos de fome
e de morte.
Gritos que ecoam pelo mundo afora
E o mundo não escuta
(ou faz que não escuta).
Angola
Biafra
Moçambique
Etiópia
Nordeste do Brasil.
Corpos esquálidos,
secos,
esqueléticos,
corpos que antes de morrer
já estavam mortos.
E o mundo ?
Onde está o mundo ?
Será que não existe ?
Ou será que se escondeu ?
Porque, então, não ouve esses gemidos ?
Porque, então, não vê os vivos mortos
de Angola
de Biafra
e Moçambique
da Etiópia
e do Nordeste do Brasil ?
O mundo existe, sim !
O mundo existe !
É que por trás do fausto
(irmão do fútil)
e do banquete farto
(gêmeo do furto)
esconde-se o mundo.
A opulência - pródiga no supérfluo-,
herdeira espúria da hipocrisia,
transforma o mundo
em laje monolítica
dura
e fria.
Pedra que não ouve.
Pedra que não sente.
Pedra que não vê.
E o rolo compressor, de pedra bruta,
que não sente,
que não vê,
que não escuta,
vai esmagando
em seu silêncio vil,
os vivos - mortos,
inativos corpos,
de Angola
de Biafra
e Moçambique
da Etiópia
e do Nordeste do Brasil.


RÉQUIEM PARA UM POETA QUE SE FOI

Antonino Oliveira Júnior

E o poeta disse não,
disse adeus à inspiração...
preferiu o exílio de si mesmo
ou o partir como quem morre...

Tanto amor cultivado
tanta dor transformada
tanto amor
que teu olhar pétreo ignorava;

E o poeta partiu como quem morre...

Sabendo-se caidiço
recusa-se a voltar o olhar
e apenas leva na mente
a relva onde deitou seus versos...

E o poeta partiu como quem morre,
no recato de seus pensamentos.

ÚLTIMO REGRESSO

Composição: Getúlio Cavalcanti

Falam tanto que meu bloco está,
dando adeus pra nunca mais sair.
E depois que ele desfilar,
do seu povo vai se despedir.

Do regresso de não mais voltar,
suas pastoras vão pedir:
Não deixem não, que o bloco campeão,
guarde no peito a dor de não cantar.
Um bloco a mais é um sonho que se faz
o pastoril da vida singular.

É lindo ver  o dia amanhecer,
ouvir ao longe pastorinhas mil,
dizendo bem, que o Recife tem,
o carnaval melhor do meu Brasil

Antonino Oliveira Júnior

Passa o ônibus,
passa a moto,
passa o carro;
Levanta o vidro,
põe o capacete,
liga o ar...
Ninguém aguenta
da sociedade o escarro
que fede,
que tem doenças,
que tá podre,
que faz podre;
Tem urubu, tem cachorro,
tem o outro
que fala, que chora,
que sente...

Acelera...tá na hora...
Na Igreja
quero a hóstia, quero o pão,
quero a bênção
do Pai que padece,
do Pai que é pai
de todos nós, de todos nós, de todos nós...
de todos nós?!?

Então, para o carro,
desce o vidro, estende a mão
e não ignora
que é teu irmão
que tá no lixo,
feito bicho!!!

Amém! Aleluia! Que assim seja!


*Antonino Oliveira Junior é membro da Academia Cabense de Letras

Mário Hélio
(ao poeta Natanael Júnior)

cantamos a alegria num dia de angústia
nessa cantoada vã de inquieto som
e fomos toda rica lírica caixa de acústica
quando nada nem ninguém era bom

fizemos todas as flébeis e plásticas
artes humanas com passos e cenas.
imagens escorriam corriam como lágrimas
de todas as películas penínsulas-temas

de todas infantarsias coloridas
passapressendentro documenta do futuro.
(menos caótico) das múltiplas vidas
e o tanto muito após o túnel escuro.

a másc’ra ritualística que
usamos em palco com a pouca
imaginação o mundo que se antevê;
o escudo que não protege; a roupa

que não esconde. onde se condensa a luz
deixada por engano. o resposteiro: fuligem.
bailávamos nos espelhos espantalhos nus
a quando pedra cravava a vertigem.

indefinidos, soltos e finais
sem origem que nous explique, afinal
os não-criadores originais
sermos sombras pastiches d’obra original.

entretanto o enigma não se desfez. a
espada de Janus mostrou-nos que tememos.
a certeza brilha em nós, no entanto lá
dúbia imagem em dúbio reflexo. remos:

meros instrudimentos das mãos. que são as mãos?
artérias, peles, ossos, células, articulações...
e tanto-mais. os sós (desesperados sãos)
ainda andam recriando aparições.

o ser cada vez mais seco e sombrio
o servo cada vez mais menos livre e autônomo.
o verso sorve o som. resta-nos andante con brio
até que o outono chegue e cegue os ânimos antônimos.

e vamos nós, separados em nós.
prosseguimos. poucos querem morrer. a morte
ou sequer o pensamento nos apavora. e a voz?
que faz a voz do artista? oculta o corte

certo. um calor toma-nos o corpo. “Lorca, fazes
o que com os timbres emprestados, restos de prece?”
adoece-os. nenhum fenômeno. porém, crazes
vorazes grifam-se. grafa-se um esse

enorme mergulha na página. como posso ver-me
se o sentido de ver perdeu o sentido e a vista
não avista além do vasto? veste o finito. o verme
sobrevive. com verve capta-o o artista.

temos mesto, o senhor. o prazer se nos seduz
é para que a dor venha depois. a armadilha
é infalível. e o que traduz a tua pretensa luz
se a treva da luz é filha?

o que é doce cedo torna-se acre
e é de cera ainda todo santo.
o vate cumpre em parte o longo encargo,
o resto veta, atáveco. o resto é tanto!

se o fraco possui a força sem cedilha
e em anagrama vertida, os vocábulos
são rimas irmãs sem til. bastava-nos a cartilha
única do escriba para decifrar todos os incunábulos.

(25/01/82)

*Mário Hélio é membro da Academia Cabense de Letras

Ivan Marinho

Nas madrugadas insones
Sinto o tropel de chegada,
Sem ordem, desarrumadas,
De palavras, letras, nomes.
Balançam, saltam, deslocam
Sem ritmo ou direção
E da inquietação
Algo parece que evocam.
Todas de tanto maduras
Encontram-se a se encaixar,
Como que a despertar
Do sonho que se inaugura.
Então se cruza o ensejo
Com o anseio ancestral,
Nivelando ao animal
O instintivo desejo.
E preterindo o futuro,
Faz da noite a luz do dia
E a esfera, por magia,
Amolece o papel duro.
Pois o papel do poeta
É deixar claro o escuro
*Primeiro lugar no Festival Jaci Bezerra de Poesia,
do Centro de Estudos Superiores de Maceió


Ivan Marinho é membro da Academia Cabense de Letras

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

QUEM?


"seu" TUNE

Quem foi que já viu a tristeza
na alegria aparente do meu rosto?
-Ninguém.
Só o meu coração.

Quem foi que já me viu amar
o amor dos carinhos, dos beijos, da volúpia?
-Ninguém.
Só meu coração.

Quem foi que já me viu difamar,
maltratar e fazer sofrer as mulheres?
-Ninguém.
Nem o meu coração.

Quem foi que já me viu...

Basta!
O meu coração sabe viver.


*Seu TUNE é um dos Patronos da Academia Cabense de Letras.

POEMA DE QUEM FICOU SÓ

Ronaldo Menezes

Vi
O dia que nasceu,
Ir-se embora.
Vi a noite...
E, dentro de mim,
Sentindo,
Tua presença que fugia
Como um açoite,
Semelhante o dia
Que partira...
Vi a noite...

MENSAGEIRA DAS VIOLETAS

Antonino Oliveira Júnior*

(para Florbela Espanca)

Ó, construtora de versos e rimas,
Flor bela que espalha lirismo
E espanca meu ser com poesias,
Conquista-me
Com a força das tuas palavras,
Envolve-me com teus mistérios
E desbrava os sertões
Dos tempos que me separam de ti.

Estendo mãos e corações para além-mar,
Na espera inconseqüente
De encontrar-te em ventos, em chuva,
Em raios que doiram tua imagem,
Para alcançar-te, quem sabe,
Na esperança vã de te impedir o gesto
Que te levou como corpo
E te deixou em forma de versos...

E não és, sequer, a razão do meu viver...

Ó construtora de versos e rimas,
Flor bela que espalha lirismo
E espanca meu ser com poesias!

*Antonino Oliveira Júnior é membro da Academia Cabense de Letras.

TATUAGEM IMORTAL

Frederico Menezes*

Tente o mundo retirar-me de ti:
Impossível, inconcebível,
Tatuado em tua alma,
Estou posto para sempre.
Fiz poesia em cada curva
Do teu corpo,
Em teu coração flutuei,
Qual farinha na água,
Flor ao vento,
Nuvem sem destino...

Tente a dor separar-me de ti:
Baterá em retirada.
Fugirá vencida pelo gozo divino,
Pela alegria cintilante
Que brota em tua face
Quando sou teu rei...

Tua pele destilando arco-íris
E tua voz cantando o amor.
Não há terra para dor,
Não há noite, só dia,
Eternamente dia.

Tente a estrela se apagar
E tu te incendiarás,
Iluminando o universo
No “Fiat lux” de uma nova criação.
Cometa ou raio,
Sibila ou sacerdotisa,
Pitonisa ou deusa,
Pote onde deposito o amor,
Resplandecente dirás ao mundo:
“Desistam – ele é tatuagem imortal”.<

*Frederico Menezes é membro da Academia Cabense de Letras

Jairo Lima

Os zóios atucaiaram pela brecha da janela
Logo cabuetei pra meus enxeridos desejos
Mai que deusa era aquela mocinha banguela
Coisa que só num cinema que vejo?

Abestalhou-me as idéia no quengo
Ai que sirigaita da figa bendita
Daria um carro-de-boi pelo seu dengo
E a fulô do maracujá mai bunita

Fi de quenga cheirosa empriguitada
Laiga essa coisa de muié da vida
Vem de um vagueiro sê namorada

Não ligo pra fuxico de boca mardita
Nem gaiato me separa d’uma amada
que o distino disse onde tava escondida

Ronaldo Menezes

Surge no pensamento, num crescente,
espraia-se no ser, qual hera venenosa,
de perfume sutil, semelhante a rosa
inebriando-nos a alma, docemente.

Nas horas noturnas, o vulto assustador
tira-nos o sono, resseca-nos a boca,
ensopa-nos de suor a ânsia louca,
fazendo-nos delirar em êxtase e dor.

Contamos as horas, os minutos, um segundo,
queremos parar, até, o próprio mundo,
esperançosos pelo momento ansiado.

No entanto, às vezes amargurados,
vemos os sonhos, vãos, todos frustrados,
pelo momento, jamais concretizado...

Antonino Oliveira Júnior
(para Florbela Espanca)


Ó, construtora de versos e rimas,
Flor bela que espalha lirismo
E espanca meu ser com poesias,
Conquista-me
Com a força das tuas palavras,
Envolve-me com teus mistérios
E desbrava os sertões
Dos tempos que me separam de ti.

Estendo mãos e corações para além-mar,
Na espera inconseqüente
De encontrar-te em ventos, em chuva,
Em raios que doiram tua imagem,
Para alcançar-te, quem sabe,
Na esperança vã de te impedir o gesto
Que te levou como corpo
E te deixou em forma de versos...

E não és, sequer, a razão do meu viver...

Ó construtora de versos e rimas,
Flor bela que espalha lirismo
E espanca meu ser com poesias!



FELICIDADE
Paulo Alexandre da Silva (Paulo Cultura)

Felicidade é nós nos olharmos com ternura
Sem nos importarmos com a amargura
Que a cidade nos traz
E depois do olhar:
Nós dois que estamos em eterno "cio"
Sentirmos o cheiro do amor
Mesmo que este - como disse o poeta:
Seja infinito enquanto durar!
E como disse o profeta:
Devemos atender o chamamento do Amor!
Dê-me as suas mãos,
Pouco importa a extensão do infinito desse amor;
E que em nossos caminhos
Existam pedras e espinhos
Ou sejam agrestes escalpados.
Porém, na profundíssima penetração
Daquilo que eu tenho que mais gostas
Naquilo que tu tens que mais gosto.
É na chegada do clímax,
Do gozo maior,
"Estrelas mudam de lugar, chegam mais perto só pra ver"...
Felicidade é isso aí e nada mais.

AINDA BATEM NOSSOS CORAÇÕES
Ao Livrório/Opus Zero
Paulo Alexandre da Silva (Paulo Cultura)


E todos os ch/c/oros
Pararam de /en/cantar
Porque todas as vozes ficaram emudecidas?
E emudecidos choramos
Ao desencanto de nossos cânticos de liberdade.
Diáspora!
Diáspora!
E juntos ficamos sem coral
Sem pátria e partido
Sem amigos
Sem filhos
Sem pai, mãe, esposa e marido.
E minha dialética de poeta
Fez dizer-te tudo que "não sabia".
E previ o teu, o nosso futuro através de poesias.
Escrevi para que os /c/egos (sem Braille) lessem
Cantei poemas com um coral de "mudos"
Para que todos os "surdos" ouvissem.
Contigo, agora nessa multidão de "mudos"
"Cegos" e "surdos"
Caminhando e cantando verde e amarelo...
Por que não vens, vamos embora
Esperar não é saber?
Vivo, vives...
Apesar deles
Ainda batem nossos corações.

VIDA DE CÃOPaulo Alexandre da Silva (Paulo Cultura)

Hoje eu sou um simples cão que não sabe ladrir
Pelo simples fato de nunca ter ladrido.
Deixei que todas as carruagens passassem por mim
Apenas olhei-as com um olhar terno
De um cão que nunca soube ladrir.
Também nunca fui um cão morto!
Talvez por jamais ter sido um cão,
E sim, apenas um homem,
Um homem que via as carruagens passarem
Cheias de cães ladridores.
Por que nessa terra miserável
O homem que mora entre filas-brasileiros
Sente a inevitável necessidade de ser um vira-latas
Que nunca andou de carruagens?
Haviam carruagens de todas as cores
Porém, os filas preferiam as carruagens pretas
Por serem mais cômodas e menos dispendiosas
Para suas sacolas.
Mas os que estavam nas filas, os vira-latas
Preferiam as coloridas
Que apesar de serem bem maiores
Eram muito mais dispendiosas para os bolsos dos viras
Apesar dos pesares,
Às vezes os filas se juntavam
Aos pastores-alemães,
Aos pequenezes e outros...
E ladravam, e eram aqueles ladravazes.
Ladravam para melhorar as carruagens coloridas dos viras
E as carruagens de todas as cores
Continuavam a passar...
E nós por que nunca ladramos?
Já não podemos ladrar mais.


POETA VIDAPaulo Alexandre da Silva (Paulo Cultura)


N as estradas da vida a poesia
A nteviu no presente o futuro
T ranslúcidas luzes da inspiração
A menizadas dores do passado
N asceram sonhos, nunca dantes sonhados
A ntes de ser, teria sido
E ste jovem
L ivre nasceu poeta.

J untemos, portanto, nossas vozes, poeta vida
U nidos na lira pela paz fraternal
N ossos cânticos num grito universal
I remos até o fim, num sonho louco, mas bonito
O uviremos a voz de Deus
R egressaremos guiados por essa voz ao infinito.

"Amanhã estaremos mudos e mais nada"

SANTA MARIA DE LA CONSOLACIONPaulo Alexandre da Silva

Natureza que me seduz
Desvirginada que fostes por homens arredios
Sangras no presente
Mas vejo-te como no passado
Vejo-te nua e beijo a tua existência porque és inviolável
Na tua beleza secular
Que Pinzón pisou
E te chamou
De Santa Maria de la Consolacion.
Natanael Lima Jr
(aos queridos confrades da ACL)


Renova-te
Pois é chegado o Natal.
Em cada lar a alegria se irradia
O irmão abraça o irmão numa contagiante harmonia
As estrelas brilham
A excelsitude do Natal de Jesus.

É Natal!
Tempo de renovação e amor.
Recolhes do coração as chagas de sofrimento
E caminhas sempre adiante
Em direção ao sol em vagas de perfumes.

É Natal!
Perseveras na luta
Em favor dos mais humildes
Dos oprimidos e dos injustiçados.
Caminhas também com eles pelas ruas
E clamas ao mundo mais justiça e união.

Renova-te
Pois o milagre do Natal está entre nós
E chama-se AMOR


Ivan Marinho

Etério furor que toma o ar e alucina,
Sempre menina, que nunca adulta,
Assim é o amor.
Rosa cortada, breve beleza
Que despetala,
Assim, por certo, vou te querer
Como a amada,
Que é luz no dia
Mas logo a noite
É quase
É nada.

*Ivan Marinho é membro da Academia Cabense de Letras.

UM CANTO EM SURDINA
Gabriel Dourado

Cidade de minha infância,
Dos meus sonhos de rapaz,
Dos meus primeiros amores
-dize-me agora,
Aonde vais?

Cidade quase sem ruas,
Apertadinhas demais,
Cidade das boemias,
Dos verdes canaviais
(como aquelas...nunca mais!)

Terra do meu romantismo,
Dos engenhos patriarcais,
Do São João de seu Zumba,
Das loas de Inácio Pais,
Das glosas de Mergulhão,
Chico Taboca e Caju,
De seu “Vigário sem crôa”,
Dos coqueiros de Gaibu.

Cidade das serenatas,
Das cantigas ao luar,
Cidade de tanta história
Sem nenhuma prá contar...

Cidade da minha infância,
Dos verdes canaviais
-Minha cidade querida,
Dize-me agora,
Aonde vais?


MEU CAMBUCÁ
Gabriel Dourado


Eu não sonho palácios agressivos,
De colunatas de oiro
De repuxos multicores,
De frisos cintilantes
E mármores nervosos,
Nem grandeza loira de moeda esterlinas,
Nem a glória de ser grande pela vida!

Quero ser simples,
Vivo imaginando uma vida interior,
Uma existência calma,
Despreocupadamente assim,

Numa casinha,
Toda bonitinha,
Toda caiadinha,
Onde existam palmeiras no terreiro
E verbenas florindo no jardim.

Eu quero, meu amor,
Para o futuro,
Ver-te assim
Como um cambucá maduro,
Aromado e saboroso,
Bem pertinho de mim...

1939
DEZ ANOS DEPOIS
Gabriel Dourado


Vem! Dá-me a tua mão. Vamos andar
Por estas alamedas inclinadas.
Ah! Como é bom a gente recordar
Enternecido, as emoções passadas.

Aqui, repara, andamos de mãos dadas,
Tranquilos, pensativos a sonhar.
Que saudade das nossas caminhadas,
Do teu lenço, de longe, a me acenar...

Rosas, boninas, musgos, trepadeiras,
O mesmo quadro antigo, benfasejo,
A ponte, um rio de altas ribanceiras.

Fecho os olhos, relembro a tua fala,
“a carícia emotiva do teu beijo”,
Teu vestido de renda, cor de opala...

1949
ROMANTISMO
Gabriel Dourado


Num tranqüilo subúrbio da cidade,
Floriu nossa casinha iluminada,
Casa de gente cheia de humildade,
Onde pões tua graça, Flor amada!

Por dentro vivem tuas mãos de fada
Na ternura das coisas. Sem vaidade,
Vais me dando estes cantos de alvorada,
Em vinte anos de angélica bondade.

A casa fica bem numa travessa,
Entre árvores e flores, e mais essa
Harmonia por todos nós sonhada.

Cantando andei por todo esse caminho,
Vivi meu sonho e não vivi sozinho,
Segui teus passos, sem querer mais nada.

1959

Tereza Soares

Portais de esperança abrem-se e invadem sons da antiga mata
Ninhos na tentativa de esconder-se

_ Predadores à vista!

E eu entendo mais o que é concreto
Desacredito no fazer aqui e vão efeito
Passo a sonhar então com a primavera que aflora a uma salto da morada que escolhi

Temos hoje mais demônios que anjos
De vez em quando um guardião do tempo nos ajuda a atravessar a rua

_"Homens trabalhando", diz a placa
Minha lança nunca acerta aquele alvo

Quero hoje construções interiores de luxo bem intencionadas
Sublimes pinturas que cintilam a ótica de quem está com sono
Acordar para ver mudar o céu desta incrível ambivalência
Que impõe um crescer sem esperanças
num bairro onde a morte faz muralha de campo minado

ENSEADA – JANEIRO 99

*Tereza Soares é membro da Academia Cabense de Letras

VENDO CAVEIRAS. (DELIQUENTE)
Zeca Plech

Silenciosamente, horripilantemente,
O estômago da terra, aos poucos, digeriu
As vísceras, a carne, a língua, a muita gente,
Que em túrbidas paixões a vida repartiu.

Um, bons anos passou a deglutir somente,
E o falerno doirado, às pipas, engoliu;
Aquele foi, do gozo, um fervoroso crente,
Este, sempre a falar, em honras mil cuspiu.

Assim a humanidade, em franca maioria,
No gesto, na palavra, em tudo denuncia
O cérebro-embrião do mísero ancestral;

E passa pelo mundo eterno delinqüente –
A rugir e a lutar prehistóricamente,
Nos arrancos febris de sádico animal!

ADEUS (INGRATIDÃO)
Zeca Plech

A TÉO SILVA – O POETA DA CIDADE

Vais partir...vais trocar as carícias da terra
Em que viste o primeiro clarão do arrebol,
Por um Centro de vida e conforto, que encerra
Outro campo – confesso – ao teu pletro de escol.

Vais deixar esta paz por um Meio que aterra!...
Este calmo viver, por nefasto aranhol !
Pelo Glauco do mar, a verdura da serra
Onde o Cruzeiro abre os braços ao sol
Não verbero o teu passo. Altas causas terão,
Com certeza, influído em teu bom coração,
Transformando-te, assim, num segundo Israel.

Mas, Senhor! Que direi, no momento de azar,
Quando a trêmula voz da cidade indagar:
"saberás onde está meu gentil menestrel?”
ASCENSO (JAMAIS)
Zeca Plech

Poeta, vê: rebenta a primavera,
No sol, na cor, no pólen de veludo...
A natureza esplêndida exubera
Um constante labor fecundo e mudo.

Dinheiro e glória estão à tua espera,
E bem sabes, os dois exprimem tudo;
Abandona, portanto, a estratosfera,
Que a vida “são três dias, mas...de entrudo.

Debalde o mundo em festa chama o vate!
Debalde a rósea mão das “coisas belas”,
Ao coração levíssimo lhe bate!

Como voltar dos páramos da lua
Quem já distingue a fala das estrelas
Em colóquios eternos com Jesus?!


AMOR...AMOR...
Zeca Plech

AO AMIGO TUNE, COMO PRESENTE DE CASAMENTO – MAIO DE 1944)

Você achou, enfim, amor, felicidade,
Nessa alma de criança, amigo, que hoje é sua.
Como é bom quando o sol a nossas casas invade!
Quanto é grato beber os eflúvios da lua!

A vida é bela e a quadra feliz da mocidade,
Deve ser o retrós que a velhice debrua.
Que dádiva do céu, quando o sono se evade,
Escutar um violão plangendo pela rua

Violão da saudade, ah! Como é doce ouvi-lo,
Quando o corpo já sente o primeiro pugilo
Da terra do coval, horrivelmente fria!

Amigo, seja o amor seu pão cotidiano,
A razão de viver, o funerário pano,
O trabalho, a virtude, a beleza, a poesia.


Via Franca -
Zeca Plech

Vejo pleno de luz o meu caminho,
trilha fatal que leva a eternidade,
graças a mão do paternal carinho
externação da Máxima bondade.

Da vida, penetrei no burburinho,
gozei como devia a mocidade,
porém do mundo opíparo ou mesquinho,
não conservo resquícios de saudade.

Despeço-me da terra na certeza
de penetrar no Reino da Beleza,
daquela que não murcha nem fenece,

deixando para os filhos minha benção,
perdão para os que ódio me dispensam
e à humanidade o estímulo da prece.

Soneto Escrito 30 dias antes de sua morte.


Mário Hélio*

O que fazer quando há no olho
Um corvo que consome todo rosto
E as asas nada mais são do que pontos
Onderrame o silêncio estranho corpo
Inomonável espelho que vê outro
Tantalizando algum narciso morto?

O que fazer quando no morto
Há um mocho que se enxerta dentro do olho
Que tem a falsa memória do outro
E finge ser o sol perdendo o rosto
De um espelho partido no seu corpo
Abominável feito só de pontos?

O que fazer quando os pontos
São grous que contaminam o orbe morto
Deitado num céu branco e reles corpo
Com um riso tão dor que fere o olho
E pode até carcomer todo o rosto
Feliz de nada ser bastante outro?

O que fazer quando outro
Pombo aprendeu a debicar os pontos
Que cosem as linhas das mãos e do rosto
Lei secreta que pesa e mede o morto
E pede a mesa onde se corta o olho
Porta que fecha e esmaga todo o corpo?

O que fazer quando o corpo
Quer ser algum condor com vôo de outro
Abrindo ávidos vôos dentro do olho
Espelho macerado os mesmos pontos
Quando a razão se perde e tudo é morto
E o que se vê não é mais que outro rosto?

O que fazer quando o rosto
É um sol já murcho, e quando o estranho corpo
Os pólos toma sempre o rumo de outro
E o que encontrou foi um nome de morto
Que entra na terra e se escreve: deus é um olho
Silente e macilento mais três pontos?

*Mário Hélio é membro da Academia Cabense de Letras

Antonino Oliveira Júnior*

Filhos
Que concebemos,
Criamos, defendemos,
Educamos...

Filhos
Por quem já choramos,
Com quem já sorrimos (muito)
Em momentos inesquecíveis.

Filhos
Que trouxemos ao mundo,
Que afagamos com carinho;

A quem damos luz,
Direção, vida...
Nossas vidas (se preciso)...

Filhos que amamos...

...e eles nem são nossos...

*Antonino Oliveira Júnior é membro da Academia Cabense de Letras

CELINA DE HOLANDA

Era Jornalista e Poeta, nasceu no engenho Pantorra, município do Cabo, no dia 19 de junho de 1915. Transferiu-se depois para o Recife, onde atuou na Imprensa escrita da capital. Publicou seus primeiros poemas nos Suplementos Literários do Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, e seu primeiro livro (O espelho e a rosa) só foi editado quando ela tinha 55 anos de idade. Além de participar de várias coletâneas (Palavra de mulher, A cor da onda por dentro, , Antologia Didática de Poetas Pernambucanos, entre outras), sua obra é composta pelos seguintes livros: O espelho e a rosa (1970), A mão extrema (1976), Sobre esta cidade de Rios (1979), Roda d’água (1981), As Viagens (1984), Viagens Gerais (1985), Pantorra, o Engenho (1990), e mais os inéditos “Afogo e faca” e “Tarefas de ninguém”. Faleceu no Recife, em 4 de junho de 1999.

ALGUNS DE SEUS POEMAS

AS VIAGENS

Viajo nos livros que faço,
mas sempre torno,
para escrevê-los
onde a vida
é uma menina pobre chorando
entre as moitas.
Trago-a de volta
ao seu colo, sua casa,
até que venha e me leve
o meu amado.


RETORNO

Este chão é pausa.
Dêem-me a infância
para que eu retorne
reencontre meu chão,
seu verde, seus marcos,
seu barro plasmável.

Quero saber de novo
de terreiros limpos
com vassouras verdes

do tempo correndo
branco como um rio,
carregando as roupas
qual nuvens mais alvas.

Massapê das margens,
sapatos de lama,
toalhas de vento
e o regresso limpo,
lento como a tarde.


O CICLO

Na sala o espelho,
a rua na sala, a moça
o relógio ao contrário.
A moça decide o cabelo
à altura do amado,
que decide o seu sol
à altura da vida, de muros
tão altos.

MERIDIANO

Vivemos a grande noite.
Cada amor em seu amor
se oculta.
Quem nos roubou a ternura
escondida? O corpo claro
e diurno?
Como os animais e as crianças
um dia a vida será só vida


PASSEIO NO PARQUE

(Óleo sobre tela, de Seurat)

Neste parque imutável
até hoje passeiam
estes homens de escuro
e estas frágeis mulheres.
Até hoje as flores, os cristais
e as toalhas
são sem mácula
nas salas de esperar
o amigo, o amado
ou a chuva passar. Nada
de apocalipse
a terrível Besta e poços
insondáveis. Nada
a relembrar o abismo
que somos.


LÁGRIMAS SEM COR
(a Neguinho da Beija-Flor, em seu momento de dor)
Antonino Oliveira Júnior


Vi o negro de perto
No navio negreiro,
Sua dor, suas lágrimas;
Vi o negro de perto
Nos grilhões dos engenhos,
Seu tormento, suas lágrimas;
Vi o negro de perto
Na vida,
Carregando nos ombros os pesos
Em preto e em branco.

Negros
Da bola, do gol, do samba,
Do canto presente,
Negro presidente...
Vi o negro que canta beijos,
Que beija a gente, que beija a flor...
Vi o negro cantando, encantando,
Vi o negro chorando...

Vi suas lágrimas, como as minhas,
Pura emoção...
Lágrimas... só lágrimas...
Do coração... sem cor.

*Antonino Oliveira Júnior é membro da Academia Cabense de Letras.


Natanael Júnior

Aqui e agora
Estaremos sobre vossas manhãs
Persistiremos inflamados
A gotejar poesia
No coração da vida
E sobre vossos ouvidos;

Aqui e agora
Estaremos sobre vossas manhãs
Persistiremos unidos
A policiar vossos passos
Ao som dos ladrilhos de vossas contemplações;

Aqui e agora
Estaremos sobre vossas manhãs
Persistiremos irmanados
Numa corrente universal
Semeando poesias nos corações dos homens
Provocando alterações
No curso provinciano das águas;

Aqui e agora
Estaremos sobre vossas manhãs
Persistiremos contemplados
A todas as traições
Mas, não iremos nos dispersar
E nem seremos avarentos como vosso sangue;

Aqui e agora
Temos um futuro
Ele está em nossas mãos.

*Natanael Júnior é membro da Academia Cabense de Letras.

Rinaldo Almeida (Índio)

Esse vazio que parece
Vazar dos dias,
Na verdade,
Gera-se de nós
Que não ocupamo-nos
Suficientemente.
Que submersos
Em crasso ócio
Não atinamos com nada.
Ronaldo Menezes


O frio invernal desnuda a paisagem,
Açoitando a natureza acinzentada,
Transparecendo, em tudo, singular mensagem,
Anunciando a triste invernada.

Por entre a bruma, luminária pálida,
Tenta vencer o denso nevoeiro,
Espraiando-se na campina esquálida,
Num esforço inaudito de derradeiro.

Sua luz mortiça clareia a amplidão
Tímida, teimosa, buscando aquecer
O casario recluso na gélida vastidão,
Mas, pouco a pouco, se deixa vencer.

É o sol do inverno, que se assemelha tanto
Às pessoas brilhosas, inutilmente
Intentando ser um sol em todo canto,
Mas não clareiam, nem aquecem a gente...

Antonino Oliveira Júnior

E chega você,
Depois do tempo
Que roubou meu tempo de sorrir...

Chega você,
Trazendo de volta o choro
Chorado no tempo de espera...

E chega você
Para olhar os olhos que nem choram,
A boca que nem sorri,
Os lábios que nem beijam...(mais)

E chega você
E me abraça no colo
Que o tempo negou,
Que o vento levou...


E me acolhe
E me pensa como quem pensa por todos
E me dança como quem dança com todos
E me ama como quem ama pra um
E sorri meu sorriso de paz
Suando o suor de nós dois...

E nos sonhos que sonho em seus braços
Vejo claro de olhos fechados...

É você quem chega pra mim.

CONSELHO
Theo Silva
(1937)


Bem sei que é impossível
Entre nós dois uma aproximação.
No entanto, por que teus lhos
Conversam tanto com os meus?

Evita eu te querer! Mata essa ilusão!
Sofre como eu...

O que será de nós se a cidade conhecer
Essa força do destino a jogar entre nós dois?
O que será de ti! O que será de mim!
O que será, enfim, do nosso amor depois...

Censura!...Escândalo!...Maldade!
Tudo há de surgir escandalosamente
Como recompensa dessa felicidade.

Sofre, como eu, a ventura desse bem,
Jesus também amou a Maria Madalena,
Sofreu mais do que nós dois
E nunca disse a ninguém.


REVOLTADO
Theo Silva
(1941)


Olhando a vida, indiferente a tudo,
Eu vou viver d’agora por diante,
Como um cipreste solitário e mudo
À margem de um riacho soluçante.

Como um grito perdido, bem distante,
Perdido na amplidão do mundo afora,
Eu quero ser de tudo ignorante
E em nada mais acreditar agora.

Viver assim com toda indiferença.
Um pálido sorriso de descrença
Para quem me falar em piedade.

Pois se a vitória da vida é o desdém,
Esse punhal eu saberei também
Cravar no coração da humanidade.



FRUTA DO MATO
Theo Silva
(1943)


Foi a morena mais bonita que minha terra criou...

Eu não sei mesmo dizer assim,
Ao pé da letra,
Mas uma morena daquela só podia ter nascido
Na casa do Nosso Senhor!

-Foi a morena que eu vi não ter chiquê nem faceta.

É aquilo mesmo bonito
Que a gente gosta de ver...
E quanto mais a gente vê,
Mais vontade tem de ver...
É como fruta do mato, que a gente tem sem querer,
Aquela vontade danada
De pegar, partir e comer!


NEM TUDO QUE O POVO DIZ É CERTO
Theo Silva
(1939)


Andam dizendo por aí a fora
Tanta coisa de nós dois, tanta coisa sem valor,
Que os nossos olhos quando se encontram
No cinema, na rua e até na igreja,
Fazem promessas de amor...

Dizem até que o nosso madrigal
É feito na rima do meu verso,
No mais expressivo enlevo;
Que cada trova que publico no jornal
É um trecho de uma carta que te escrevo.

Mas não creia em nada disso, tudo é mentira,
Tudo é banal.
É a inveja que eles têm do nosso convívio bom,
Da nossa harmonia espiritual.

Perdoe tudo, deixe que todo mundo diga
Tudo de nós, tudo que quiser,
É da humanidade esse farol sem luz.

Pois não dizem por aí constantemente
Que Madalena foi amante de Jesus...


MINHA ETERNA OBSESSÃOTheo Silva
(1943)

Eu gosto de ver você passar, de volta da matriz,
Pálida e linda...
Religiosamente concentrada ainda,
Na felicidade que pediu a Deus:
Trazendo um cheiro de incenso e rosas de Maria.
Como é bonita você sem artifícios,
Toda meiguice, toda virtude,
Como se fosse a mística Eucaristia...

Mas, à tarde,
Quando vejo você fora de toda santidade,
Toda perfume, toda mulher, toda orgulhosa,
Foge de mim essa falsa obsessão
E vibra na minh’alma
O grito sacrílego da profanação...

Porque seu vivo olhar é um incêndio indominado,
Desprendendo centelhas de desejos,
Das labaredas do amor que tem seu corpo,
Esse castelo de sonho e de pecado...


Antonino Oliveira Júnior

Foi no escuro
De minha noite interior
Que busquei a luz
Dos teus olhos,
Do teu olhar,
Que, de tão vivo,
Exala desejos
E murmura pedidos...

E se a boca fala
Do que ta cheio o coração,
Ouvi a voz do EU de dentro
A chamar teu nome
Por todo o tempo
O tempo inteiro...

E no explodir de minha paixão,
O vento trouxe o teu sorriso,
Roçando meu rosto...
Sussurrando...

...amor...sou eu...

Jairo Lima

As rugas, outrora ruas
Os canais, outrora rios
O calor, outrora frio
Minha cidade, andava nua
Enquanto menina resistiu.

O ruído, outrora calma
Um céu já sem estrelar
Ainda verde era o mar
Lamenta aflita minh’alma
Que chora a morte do luar

E os bancos solitários
Sem companhias nas praças
Observam o tempo que passa
Levando escravas de horários
Nossas vidas, nossa raça.

*Jairo Lima é membro da Academia Cabense de Letras.

Natanael Júnior

Sei das manhãs que se esvaem
inexplicáveis e misteriosas
como a sutileza dos nossos poemas
que nos atordoa e estraçalha
nossos corpos.

Sei dos vômitos que os bêbados
vertiginosamente mutilados
laçados pelos pesares da matéria bruta
contaminam nossas praças
degerando os sonhos e as fantasias.

Sei da mão amiga que apedreja
levianamente nossos passos,
sei da boca que escarra
no ventre transcendental
de nossas manhãs.

Sei da noite e dos versos
que brotam do nosso suor,
sei dos olhares indecifráveis
e do hálito de embriaguez
que paira no silêncio
secreto de nossas confissões.

Zeca Plech

Vejo pleno de luz o meu caminho,
trilha fatal que leva a eternidade,
graças a mão do paternal carinho
externação da Máxima bondade.

Da vida, penetrei no burburinho,
gozei como devia a mocidade,
porém do mundo opíparo ou mesquinho,
não conservo resquícios de saudade.

Despeço-me da terra na certeza
de penetrar no Reino da Beleza,
daquela que não murcha nem fenece,

deixando para os filhos minha benção,
perdão para os que ódio me dispensam
e à humanidade o estímulo da prece.

Soneto Escrito 30 dias antes de sua morte.

Nelino Azevedo

O vinho tinto que transborda
Da taça que é minh’alma
Verte-se em tinta e
Picha minha calma
Anunciando segredos
Escritos no muro
Que é minha cara
Encobre meus medos e
Afasta os fantasmas
Que me habitam e me afogam
Nas horas serenas e doentias
Em que não tenho o sabor púrpuro
Do líquido que me embriaga.

*Nelino Azevedo é membro da Academia Cabense de Letras

Vera Rocha

Eu vi um país quedar-se em descrença
Tal qual árvore gigante ao golpe de machado.

Eu vi grossas lágrimas rolarem
No rosto de seres famintos,
Tal qual água nas cachoeiras.

Eu vi um pai desolado, amargurado,
Revoltado, desempregado...
Igual a milhares em romaria.

Eu vi uma mãe esquálida de peitos
Em pele, sem leite para amamentar
Seu rebento que gemia,
Tal qual o seio de um rio estorricado
Pela seca impiedosa.

Eu vi um pivete arrancar
A carteira de um cidadão,
Tal qual homens de poder
Arrancam da sociedade a esperança
E a ilusão.

Antonino Oliveira Júnior

Espera,
Logo vou ultrapassar essa estrada,
Cuja bruma densa
Deixa opaca a retina dos meus olhos...
Sei que devo encontrar-te
E será logo, Mas não serei breve;
Espera,
Meu coração camaleônico
Toma agora uma forma única,
Estagnado na cor que reflete
O negro dos teus olhos,
O calafrio emotivo de tua pele,
A maciez rósea dos teus seios,
O mistério do teu ventre acolhedor;
Espera,
Vou entregar-me cegamente
Como quem voa um vôo sem descida,
E, uma vez em teus braços,
Gritarei para o mundo
Meu discordar do poeta,
O meu brado de entrega:
Que este amor que me incendeia
E me aquieta o coração
Não seja infinito enquanto dure,
Mas, que dure por ser ele infinito.

AS VIAGENS

Celina de Holanda



Viajo nos livros que faço,
mas sempre torno,
para escrevê-los
onde a vida
é uma menina pobre chorando
entre as moitas.
Trago-a de volta
ao seu colo, sua casa,
até que venha e me leve
o meu amado.

Ronaldo Menezes

Penetrei, um dia, nos labirintos d’alma;
Nesses recônditos fui surpreendido,
Pois a viagem que havia empreendido
Imaginara ser tranqüila e calma.

No início percebi, na obscuridade,
De livre-arbítrio camuflado, o egoísmo,
Que nos leva, às vezes, ao paroxismo
Da ânsia louca, ambição, maldade.

Acelero o passo, e no próximo desvio,
Figura singular, me surge à frente:
É o orgulho, aguardando, indolente,
Alguém que o exalte, num simples elogio.

Mais adiante, em trecho reluzente
Extasio-me, ante a magnificência,
Havia encontrado a inteligência
Acomodada em trono refulgente.

Ao prosseguir, percebo com emoção,
Um solução, em trecho esmaecido/
Era o amor que jazia esquecido,
Em meu endurecido coração.

Paulo Cultura

O Místico
entre Deus e o diabo
causador do teu amor e felicidade
causador do teu ódio e infelicidade.
Ele é como brisa
ele é como o furacão.
O maior entre os maiores
o menor entre os menores.
O causador dos teus sonhos
O provocador da tua realidade.
O que tu pensaste agora
Ele já pensou antes, muito antes...
A ureza dos seus atos
A exatidão das suas palavras
Leva-te a pensar que ele é louco.
Mas, lá no fundo, no fundo...
Da profundidade d'alma
Ele é teu protetor
Ele é teu cobertor
Ele é o equilíbrio
Entre o ser e o não ser
Entre o bem e o mal
Entre a tua tristeza e tua alegria.

"Seu Tune"*

É noite.
Os pingentes dos céus
ornamentam a imensidão do infinito,
refletindo os sonhos dos apaixonados.

É noite.
O pequeno filamento prateado
(o neón mais incandescente)
vagueia, rastreando suspiros enamorados.

É noite.
O olhar vitrificado
enclausura tua imagem no horizonte.
Uma lágrima desce
e tua lembrança
é a companhia da minha solidão.

Resistir é preciso,
reagir, lutar,
sair em busca do sol das novas esperanças.
Mas, é noite.
É tempo de ceder às paixões,
é momento de sofrer as distâncias.

*"Seu Tune" era o apelido de Antonino José de Oliveira, Patrono de uma das Cadeiras da Academia Cabense de Letras, falecido em 1988.

CONTRARIANDO O POETA
Antonino Oliveira Júnior

Espera,
Logo vou ultrapassar essa estrada,
Cuja bruma densa
Deixa opaca a retina dos meus olhos...
Sei que devo encontrar-te
E será logo, Mas não serei breve;
Espera,
Meu coração camaleônico
Toma agora uma forma única,
Estagnado na cor que reflete
O negro dos teus olhos,
O calafrio emotivo de tua pele,
A maciez rósea dos teus seios,
O mistério do teu ventre acolhedor;
Espera,
Vou entregar-me cegamente
Como quem voa um vôo sem descida,
E, uma vez em teus braços,
Gritarei para o mundo
Meu discordar do poeta,
O meu brado de entrega:
Que este amor que me incendeia
E me aquieta o coração
Não seja infinito enquanto dure,
Mas, que dure por ser ele infinito.


CABO DE AGOSTINHO E MARIA
Autora: Valéria Saraiva, 27/03/1998

Cidade Hispano-Americana,
Brasileira, Nordestina, Pernambucana.
Cabo de Santo Agostinho e
De Nossa Senhora da Consolação.
Filha da Espanha
Explorada por Portugal,
De um Tratado assinado em Tordesilhas
Não foste cortada menina
Ficaste no hemisfério oriental
Do meridiano de Tordesilhas
Pertencente a Portugal.
Eras dele ainda quando tua graça era indígena.

Quem te viu primeiro?
Portugal ou Espanha?
Não estranha
Que nos livros esteja escrito Portugal,
Estes contam nossa historia desde a época de Cabral
E se aqui existiram provas
Que Pinzón pisou
Não admiraria que essas provas o tempo queimou.
Dormindo em seu leito
Cabo de Santa Maria de La Consolación
Pois assim te chamou Pinzón
Quando em tuas praias ancorou...
Pinta, Niña e Fraila
Lembras que por ti este mesmo brigou.
Cabo de Santo Agostinho,
Que assim Américo Vespúcio depois de anos veio á chamar
Lembra que Vicente Yáñes Pinzón
Foi o primeiro europeu a te visitar
E este para ti retornou
De Palos de La Fronteira
Ao oceano Atlântico
Enfrentando tempestades  e vagalhões estrondosos,
Rogou por Nossa Senhora
E seguindo as trilhas do coração
Veio descansar no seio de Santo Agostinho
De Santa Maria da Consolação.

ARARAS E O AMOR
Affonso Romano de Sant’Anna*
Liberta-me
de minha liberdade
diz a arara Canindé
ao seu amado preso
na gaiola do zoológico.
Aprisiona-me contigo
pois enclausurada
ao teu lado enfim
-serei livre.
O amor aprisiona?
O amor liberta?
O melhor amor é aquele
em que a gaiola
-está aberta.


*Postado em 14 de março/2012, numa reportagem (Band) sobre uma solitária arara Canindé, que todos os dias sai  da Floresta da Tijuca, voa 5 km e pousa numa gaiola de araras no Zoo para namorar.

ENCONTRO DE SAFO COM AS MUSAS EM LESBOS
Antonio de Campos

Safo aguarda as Musas
pra um encontro
Que palavras não se dirão?
Os versos subirão
do mais íntimo,
existirão tão visíveis, claros,
que Safo os apalpará
Vinde a mim,
remota feminista
e inspiradoras de gregos,
como o tempo de amar:
em silêncio
E nossos dias serão iguais
a um poema –
pra sempre!


ONÍRICO
Antonino de Oliveira Júnior

Desejos emanam com ímpeto e furor,
rimas descem ao papel
como lágrimas que umedecem a face.
A liberdade é como o mênstruo,
certeza viva,
que alimenta a própria razão de ser.
Estradas e ruas de flores,
sentimentos derramados como lava,
a mente mais forte que o físico,
mãos de todas as cores
formando correntes...
e a certeza de vitória
nos sonhos concretos do poeta.
A VIDA
Wilson Lyra*
A vida é sonho é amor é tristeza
Na alma da gente que ama fascinada
É o sol que ilumina a natureza
E a noite que desperta embriagada.
A vida é alegria deslumbrada
É remorso é angústia e é beleza;
É um mar que se alteia em correnteza
A vida é tudo, é vida, e não é nada!
A vida é lágrima e também sorriso;
O coração humano alegre ou triste
É o calvário e é o paraíso
A vida é pranto de eterna saudade
Enquanto estiver a humanidade
Sentindo, a própria saudade que existe.
*Wilson Lyra, pernambucano do Cabo de Santo Agostinho, professor, advogado e poeta; nasceu em 23/10/1944 e faleceu em 03/05/2003
A MALA
Cícero Melo
Para Ângelo Monteiro

Joguei a mala ao mar,
mas, o mar me a devolveu.
Joguei-a, de novo, ao mar
mas, o mar me a devolveu.
Joguei-me com a mala ao mar.
O mar devolveu a mala,
porém, não me devolveu.


LA MELLE
Cícero Melo
Pour Ângelo Monteiro

J’ai jeté la malle à la mer
mais, la mer me l’a renvoyée.
Je l’ai jetée, de nouveau, à la mer
mais, la mer me l’a renvoyée.
J’ai jeté, moi et la malle, à la mer.

La mer a renvoyé la malle,
mais elle ne m’a pas renvoyé.


FRAGMENTO DO ACASO*
Ivan Marinho

Sem gravidade flutuam
Estilhaços de um espelho
E cada parte reflete
Um fragmento do acaso.
Giram dando a impressão
De serem um universo
E são, de certo, mil vezes,

A expressão original

De uma parte perdida
A se olhar eternamente
Ali, imagem pra sempre,
Como se fosse real.
E menos se vê no mundo
E no mundo só se vê.
Entérica alegria
Buscando a rima vazia
De não ser, só parecer.
*Poema selecionado para antologia do SINTEPE em 2009, para a antologia Amigos do Livro da Editora Scortecci (2010) e para a antologia Pernambuco: Terra da Poesia da editora Carpe Dien (2010).

SALVADOR ALLENDE*
Natanael Lima Jr
a Glória Wormald Ochoa

A tarde silenciou a voz
da liberdade e da justiça.
O canto não resistiu à tristeza
e partiu sem glórias e honras.
O golpe infame tingiu de sangue
a pátria e a resistência de um povo.
Salva-nos dessa dor,
Salvador Allende!