quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A ORFANDADE DE CECÍLIA



Por  DOUGLAS MENEZES

                                         
                                            ORFANDADE

                            “A menina de preto ficou morando atrás do tempo/ sentada no banco, debaixo da árvore / recebendo todo o céu nos grandes olhos admirados. /  Alguém passou de manso, com grandes nuvens no vestido, /  e parou diante dela, e ela, sem que ninguém falasse, murmurou: A MAMÃE MORREU. /  Já ninguém passa mais, e ela não fala mais, também. / O olhar caiu dos seus olhos, e está no chão, com as outras pedras, / escutando na terra aquele dia que não dorme / com as três palavras que ficaram por ali”. ( Cecília Meireles)

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      É inegável a força do Simbolismo na poesia de Cecília Meireles, responsável, mesmo, pela reabilitação desse estilo dentro da Literatura brasileira. E a presença da linguagem vaga, imprecisa, escondida na conotação evidente confirma ser a poetisa  carioca a mais simbolista dos modernistas brasileiros. Toda a sua obra é marcada, também, pela musicalidade, sonoridade constante, típicas dessa escola do final do século dezenove.
    E essa melodia é evidenciada na assonância do seu poema Orfandade, materializada na repetição da vogal E (alguém, ninguém). Outro elemento que nos indica musicalidade se refere à Aliteração, concretizada na consoante P (passam, parou, passa), o que confere um ritmo regular, próprio da música, embora com a métrica instável, marca do Modernismo.
     Ainda vislumbramos uma outra presença que configura sonoridade e empresta uma beleza plástica fundamental ao texto. Trata-se dos dois últimos versos: “ Escutando na terra aquele dia que não dorme/  Com as três palavras que ficaram por ali”. A terra, junto com as pedras, como que repetem a frase constantemente: “ A mamãe morreu”.
      A primeira imagem forte do texto diz respeito à visão de que morar atrás do tempo é, na verdade, viver de memória. Daí, já sentirmos ser o texto profundamente introspectivo, apesar do “eu lírico” apresentar-se na terceira pessoa.

      Depois, visualizamos a cor branca da espiritualidade, presente no primeiro verso da segunda estrofe: “Alguém passou de manso, com grandes nuvens no vestido”.

       O poema Orfandade, expresso quase que totalmente por Figuras de Linguagem, mostra em termos de conteúdo, confirmando nossa análise, aspectos bastante encontrados na estética simbolista, como o pessimismo, confirmado  pelo fato negativo passado por alguém que perdeu a mãe; o sentimento de solidão (“Já ninguém passa mais”); e a forte imagem associada ao Simbolismo, expressa na presença da Sinestesia, que capta elementos sensoriais, como forma de ligar o ser à natureza e a seus sons: “ O olhar caiu (visual); Escutando na terra (auditiva)”. Além de tornar concreto, elementos abstratos, ao misturar as palavras com as pedras, e a terra.

          No mais, a imagem geral de que a dor nunca dorme, nunca acaba, estará sempre como marca da vida: “Aquele dia que não morre”.

   Fevereiro de 2013.
 
Douglas Menezes é membro da Academia Cabense de Letras.
 
 

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

UM PASSO ATRÁS


                                                                                                                                           

José Maurício Guimarães

Uma renúncia nem sempre é ato de fraqueza. Dar um passo atrás (ou vários, de marcha a ré) pode ser uma atitude no mínimo corajosa; no máximo, heróica.    
Não estou falando do "pulo do gato", salto prá trás para se safar. Refiro-me ao metafísico do Shaolin, do  Kung Fu, Caratê ou Jujutsu; e do bambu, que se deixa envergar para retornar à posição inicial através do impulso de sua flexibilidade. Refiro-me ao abandono de algum direito, o afastar-se com passo de Mestre sem desistir de suas convicções, sem perder o interesse pela causa, sem desistir da luta ou dar-se por vencido.    
Enquanto o "pulo do gato" é para se safar (daí o termo safado - sujeito que não tem vergonha de seus atos censuráveis), a renúncia de algum direito, especialmente de um cargo, tem a marca da grandeza e da verdadeira humildade. E mais: de respeito aos semelhantes.        
Não pretendo discutir sobre religião, nem analisar o complexo cenário diante do qual se desenrola a renúncia do atual Papa Joseph Ratzinger*, cujo nome episcopal é Benedictus PP. XVI.
"Mais que as razões de saúde, existiriam razões de Estado que teriam levado Bento XVI a anunciar a renúncia de seu papado", dizem os observadores especializados; mas o que valoriza o atual momento histórico é a coragem de dizer NÃO e do passo atrás, seja por decisão própria (foro íntimo) ou pela pressão insuportável de circunstâncias externas.   
Joseph Ratzinger disse NÃO às milenares tradições da Igreja Católica Romana e deu o tal passo onde muitos bem-safados insistiriam sob o falso pretexto de "honra" ou alegando "cumprimento do dever".
O primeiro dever de um homem é diante de sua consciência e o bem do próximo.         
As instituições estão em crise desde a segunda metade do século passado, agravando-se o desgaste das religiões e o estado de incerteza das ordens sacerdotais, monásticas, esotéricas e escolas ditas herméticas. Presenciamos os diversos aspectos da "evaporação da fé" - palavras do próprio Papa Joseph Ratzinger ao constatar que "a sociedade se tem se tornado mais dura" e que "o cristianismo se encontra imerso em uma profunda crise que é consequencia da crise de sua pretensão de verdade" (do livro “Deus existe?” transcrito do debate entre Joseph Ratzinger e Paolo d’Arcais no ano 2000 Editora Planeta, 2009).
- No atual panorama, só mesmo a estupidez dos renitentes e o apego ao poder por parte dos confusos e obstinados líderes das instituições não nos deixa ver que o sentido e o espiritual da vida vem sendo desfeito desde o final da Segunda Grande Guerra Mundial. É a vaidade e as raízes secas do formalismo e da ritualística vazia que têm mantido esses sonhadores atrelados em seus frágeis baluartes, sob a alegação falaciosa de que o materialismo selvagem faz parte da "natureza humana".
O que temos visto são chefes de estado que, terminados seus mandatos, insistem em permanecer nas sombras do poder; são os pequenos mandatários que, após vencidas suas pífias gestões, assumem o papel de papagaio-de-pirata no ombro esquerdo do novo mandante; são esses pseudo-líderes alternando o estado e a respiração artificial com atos de governante, atropelando assim a sociedade pela covardia e o medo da renúncia, do adiós, hasta la vista!
Joseph Ratzinger compreendeu isso e pegou de surpresa aqueles que o consideram um homem rancoroso, um xerife da fé e um conservador radical. Ele demonstrou que renunciar não condiz com o conservadorismo, nem com o que se espera do mais alto cargo do Vaticano, uma das mais elevadas influências na política mundial.
Bravo foi Joseph Ratzinger, e o que virá em seguida dependerá da reposta deste século diante do que acaba de acontecer.
...
* NOTA:
Não estou defendo Joseph Ratzinger como um "bravo guerreiro". Apenas cito a renúncia como um exemplo para o mundo atual onde ninguém é capaz de abrir mão de um pirulito sequer.

José Maurício Guimarães
 

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A PESSOA ERRADA


 
Pensando bem, em tudo o que a gente vê, e vivencia, e ouve e pensa, não existe uma pessoa certa pra gente.

Existe uma pessoa, que se você for parar pra pensar, é a pessoa errada.

 Porque a pessoa certa, faz tudo certinho, chega na hora certa, fala as coisas certas, faz as coisas certas. Mas, nem sempre a gente tá precisando das coisas certas.

Aí é a hora de procurar a pessoa errada.

A pessoa errada te faz perder a cabeça, fazer loucuras, perder a hora, morrer de amor.

A pessoa errada vai ficar um dia sem te procurar, que é pra na hora que vocês se encontrarem a entrega ser muito mais verdadeira.

A pessoa errada é, na verdade, aquilo que a gente chama pessoa certa.

Essa pessoa vai te fazer chorar, mas uma hora depois vai estar enxugando suas lágrimas.

Essa pessoa vai te tirar o sono, mas em troca vai te dar uma noite de amor inesquecível.

Essa pessoa talvez te magoe, e depois, talvez te encha de mimos pedindo perdão.

Essa pessoa pode não estar 100% do tempo ao seu lado, mas vai estar 100% da vida dela esperando você. Vai estar o tempo todo pensando em você.

A pessoa errada tem que aparecer pra todo mundo. Porque a vida não é certa. Nada aqui é certo. O que é certo mesmo, é que temos que viver cada segundo amando, sorrindo, chorando, emocionando, pensando, agindo, querendo, conseguindo. E, só assim, é possível naquele momento do dia em que a gente diz : “Graças a Deus, tudo deu certo”. Quando na verdade o que Ele quer é que a gente encontre a pessoa errada para que as coisas comecem realmente a funcionar pra gente.

Nossa missão: compreender o universo de cada ser humano, respeitar as diferenças, brindar as descobertas, buscar a evolução.

(Autoria Desconhecida)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

PARA UM FINAL DE VERÃO

   DOUGLAS MENEZES

  Começo, neste dia cinzento, pensando  nos quase duzentos e cinquenta jovens assassinados em Santa Maria. Sim, foram mortos estupidamente pela negligência e irresponsabilidade de muitos  culpados, a começar por quem  deveria zelar pela segurança do povo. O estado que só cuida quando as tragédias acontecem. O choro dos políticos não vai trazer os jovens de volta, nem minimizar a dor maior. Mais uma lição sofrida para que a responsabilidade seja retomada, se é que já existiu.
   Nesta manhã cinzenta, penso, atrasado, naqueles que tinham uma vida pela frente,  enganados, partiram mais cedo, e, em um país sem memória, logo irão fazer parte do esquecimento de uma população acostumada a relegar a um plano secundário coisas sérias que deveriam estar sempre em pauta na vida das pessoas. O brasileiro parece anestesiado, conformado e vivendo num estado de letargia que passa a ideia de que vivemos instintivamente, apenas para sobreviver. Perdemos a gentileza e a solidariedade maior, apesar de ações pontuais, que deveriam ser coletivas e constantes.
    Nesta manhã cinzenta, faço crônica pessimista. Impaciente, digo coisas que não queria dizer. Olho ao redor, dorme minha gente, que sustenta e ampara a angústia e essa visão negativa que eu não queria que existisse. Sou dependente dela. O bálsamo, a ilusão de que haverá dias mais risonhos e só notícias boas a comentar.
    Assim, corro os olhos nos jornais. O real se sobrepõe, então. Esforço enorme para encontrar notícias que causem alento, que me façam acreditar num mundo mais feliz. Os jornais não têm cor. Iguais a esse mormaço, a  esse calor sem vento, a esse suor vindo não sei de onde. Iguais, os jornais,  a essa  tediosa e quase inútil manhã cinzenta.

    Douglas Menezes é da Academia Cabense de Letras.