quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

TODAS AS DORES DA VIDA


 
CRÔNICA: DOUGLAS MENEZES

             Reli, outro dia, um texto do jornalista Cláudio Abramo, intitulado Inventário da Infância Perdida, onde o autor expõe a decadência e a  amargura   por que passa o ser humano a partir dos quarenta anos. Publicada há cerca de quinze anos, essa crônica nos traz uma preocupação que, na verdade,  se torna fonte de angústia, ao longo da existência.

               Ousei, em sala de aula, trabalhar   o escrito citado. Senti, entretanto, não haver  empatia por parte dos alunos, adolescentes  com outras preocupações. Uma aluna questionou:    “Que texto depressivo!”. Peixe fora d’água eu estava. Filosofia vã em plena era digital. Mas resolvi comentar aqui  o porquê do autor ser tão pessimista, tão desconstrutivo no tocante à maturidade e à velhice. E fiquei a pensar: realmente, em parte, o autor tem razão quando questiona  a visão romântica de que a infância é um doce paraíso de pureza e sonho. Consagrados autores brasileiros desconstruíram a concepção idílica da primeira idade. A aurora da vida  foi  para Sérgio de o Ateneu uma  dolorosa  experiência de descobertas nocivas: a constatação da hipocrisia, da falsidade, da ganância e apenas o domínio da aparência sobre a essência. O grande mago Machado de Assis  já observava isso: a total descrença no ser humano. José Lins do Rego, no  Romance Doidinho realiza uma Intertextualidade  com o livro de Raul Pompéia, analisa e desmistifica  essa infância cheia de luz e amor. Não-raro, o sonho de um futuro promissor, o quando crescer vou ser isto ou aquilo, torna-se uma sucessão de mediocridades e de vida comum. Afinal, não são muitos os famosos do mundo. Não caberia fama, prestígio a todas as crianças sonhadoras. A existência, então, impõe-se como algo que se aproxima mais do personagem da música de Raul Seixas às avessas: a gente se senta num trono de apartamento  esperando a morte chegar. E, mais das vezes, a busca pelos aspectos místicos, por algum tipo de religião, transforma-se, aí sim, num bálsamo, num alento, numa espécie de redenção de fim de vida. Na verdade, diante das frustrações óbvias, as pessoas se enganam, talvez, com qualquer consolo, desde que esse algo dê tranquilidade e coloque a ilusão de que valeu a pena.

               Todavia, dói saber que ter o a carro do ano, morar na zona sul do Recife, ou aposentar-se com proventos maiores, isto não foi  o bastante. Ou tenha sido tão-somente uma fuga, uma satisfação por não ter conseguido dar um maior sentido à vida. E as conquistas materiais alimentam um discurso já não suficiente.

                 Por isso, o texto  de Cláudio Abramo é pedagógico e, embora amargo, encerra a concepção de que somos nada ou talvez tudo, dependendo de como encaramos as dificuldades da existência. Mostra-nos, inclusive, o falso conceito de que a maturidade traz equilíbrio e sensação de dever cumprido. O vulcão jogando labaredas imensas. Apenas não é visto. Só o sofrido cristão sabe. Então, essa pretensa felicidade é mais uma utopia humana, que jogamos para os filhos e netos. Se dói ou não, alguém ou muitos pensam assim. E, por certo, não estão totalmente sem razão. Há suicidas que dedicaram a vida a vender felicidade aos outros, em livros e palestras, indicando a fórmula de ser feliz.

                      Mas, enfim, você, leitor, pode perguntar: E você? Eu vejo tudo com um misto de otimismo velado e um pessimismo calcado no que a realidade  nos mostra. Deixando sempre uma ponta futurista que acredita num mundo melhor.

                      Mas talvez ainda a pergunta que não quer calar. E você? Eu... eu, por enquanto escrevo pela madrugada. Escrevo para não morrer.

Douglas Menezes é membro da Academia Cabense de Letras