terça-feira, 31 de agosto de 2010

segunda-feira, 30 de agosto de 2010


Por Clarice Lispector

Já escondi um amor com medo de perdê-lo,
Já perdi um amor por escondê-lo...

Já segurei nas mãos de alguém por estar com medo,
Já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos.

Já expulsei pessoas que amava de minha vida,
Já me arrependi por isso...

Já passei noites chorando até pegar no sono,
Já fui dormir tão feliz,
Ao ponto de nem conseguir fechar os olhos...

Já acreditei em amores perfeitos,
Já descobri que eles não existem...

Já amei pessoas que me decepcionaram,
Já decepcionei pessoas que me amaram...

Já passei horas na frente do espelho
Tentando descobrir quem sou,

Já tive tanta certeza de mim,
Ao ponto de querer sumir...

Já menti e me arrependi depois,
Já falei a verdade
E também me arrependi...

Já fingi não dar importância a pessoas que amava,
Para mais tarde chorar quieto em meu canto...

Já sorri chorando lágrimas de tristeza,
Já chorei de tanto rir...

Já acreditei em pessoas que não valiam a pena,
Já deixei de acreditar nas que realmente valiam...

Já tive crises de riso quando não podia...
Já senti muita falta de alguém,
Mas nunca lhe disse...

Já gritei quando deveria calar,
Já calei quando deveria gritar...

Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns,
Outras vezes falei o que não pensava para magoar outros...

Já fingi ser o que não sou para agradar uns,
Já fingi ser o que não sou para desagradar outros...

Já contei piadas e mais piadas sem graça,
Apenas para ver um amigo mais feliz...

Já inventei histórias de final feliz
Para dar esperança a quem precisava...

Já sonhei demais,
Ao ponto de confundir com a realidade...

Já tive medo do escuro,
Hoje no escuro "me acho..me agacho..fico ali"...

Já caí inúmeras vezes
Achando que não iria me reerguer,

Já me reergui inúmeras vezes
Achando que não cairia mais...

Já liguei para quem não queria
Apenas para não ligar para quem realmente queria...

Já corri atrás de um carro,
Por ele levar alguém que eu amava embora.

Já chamei pela mamãe no meio da noite
Fugindo de um pesadelo,
Mas ela não apareceu
E foi um pesadelo maior ainda...

Já chamei pessoas próximas de "amigo"
E descobri que não eram;
Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada
E sempre foram e serão especiais para mim...

Não me dêem fórmulas certas,
Porque eu não espero acertar sempre...

Não me mostre o que esperam de mim,
Porque vou seguir meu coração!...

Não me façam ser o que eu não sou,
Não me convidem a ser igual,
Porque sinceramente sou diferente!...

Não sei amar pela metade,
Não sei viver de mentiras,

Não sei voar com os pés no chão...
Sou sempre eu mesma,
Mas com certeza não serei a mesma para sempre

Clarice Lispector, nascida Haia Lispector (Chechelnyk, 10 de dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977) foi uma escritora brasileira, nascida na Ucrânia. Autora de linha introspectiva, buscava exprimir, através de seus textos, as agruras e antinomias do ser.



quinta-feira, 26 de agosto de 2010

EMPURRE SUA VAQUINHA

Um Mestre da sabedoria passeava por uma floresta com seu fiel discípulo, quando avistou ao longe um sítio de aparência pobre e resolveu fazer uma breve visita...

Durante o percurso ele falou ao aprendiz sobre a importância das visitas e as oportunidades de aprendizado que temos, também com as pessoas que mal conhecemos.

Chegando ao sítio constatou a pobreza do lugar, sem calçamento, casa de madeiras, os moradores, um casal e três filhos, vestidos com roupas rasgadas e sujas...

Então se aproximou do senhor aparentemente o pai daquela família e perguntou: Neste lugar não há sinais de pontos de comércio e de trabalho, então como o senhor e a sua família sobrevivem aqui?
E o senhor calmamente respondeu:

"Meu amigo, nós temos uma vaquinha que nos dá vários litros de leite todos os dias. Uma parte desse produto nós vendemos ou trocamos na cidade vizinha por outros gêneros de alimentos e a outra parte nós produzimos queijo, coalhada, etc .... para o nosso consumo, e assim vamos sobrevivendo".

O sábio agradeceu a informação, contemplou o lugar por uns momentos, depois se despediu e foi embora. No meio do caminho, voltou ao seu fiel discípulo e ordenou:

Aprendiz, pegue a vaquinha, leve-a ao precipício ali na frente e empurre-a, jogue-a lá em baixo".

O jovem arregalou os olhos espantando e questionou o mestre sobre o fato da vaquinha ser o único meio de sobrevivência daquela família, mas, como percebeu o silêncio absoluto do seu mestre, foi cumprir a ordem.

Assim, empurrou a vaquinha morro abaixo e a viu morrer.

Aquela cena ficou marcada na memória daquele jovem durante alguns anos e um belo dia ele resolveu largar tudo o que havia aprendido e voltar naquele mesmo lugar e contar tudo àquela família, pedir perdão e ajudá-los.

Assim fez, e quando se aproximava do local avistou um sítio muito bonito, com árvores floridas, todo murado, com carro na garagem e algumas crianças brincando no jardim.

Ficou triste e desesperado imaginando que aquela humilde família tivera que vender o sítio para sobreviver, "apertou" o passo e chegando lá, logo foi recebido por um caseiro muito simpático e perguntou sobre a família que ali morava há uns quatro anos e o caseiro respondeu:

Continuam morando aqui.

Espantado ele entrou correndo na casa, e viu que era mesmo a família que visitara com o mestre. Elogiou o local e perguntou ao senhor (o dono da a vaquinha):

Como o senhor melhorou este sítio e está tão bem de vida ???

E o senhor entusiasmado, respondeu:

Nós tínhamos uma vaquinha que caiu no precipício e morreu, daí em diante tivemos que fazer outras coisas e desenvolver habilidades que nem sabíamos que tínhamos, assim alcançamos o sucesso que seus olhos vislumbram agora...

PONTO DE REFLEXÃO:

TODOS NÓS TEMOS UMA VAQUINHA QUE NOS DÁ ALGUMA COISA BÁSICA PARA SOBREVIVÊNCIA E UMA CONVENIÊNCIA COM A ROTINA.

DESCUBRA QUAL, A SUA ... E EMPURRE A SUA "VAQUINHA" MORRO ABAIXO.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A MAÇONARIA E A ESTÁTUA DA LIBERDADE

A vitória do Movimento Revolucionário de 1776, que deu origem à República dos Estados Unidos da América, foi também uma vitória da Maçonaria, pois os ideais maçônicos de Liberdade e Igualdade foram os alicerces para a construção do novo país. A recém-nascida nação foi uma espécie de laboratório para a construção da primeira sociedade democrática do mundo, onde se organizou um governo que “em certo sentido, nascia de baixo para cima”. Dois maçons notáveis contribuíram para declaração de Independência dos Estados Unidos da América: George Washington e Benjamin Franklin.

Benjamin Franklin ao lado de Thomas Jefferson atuou como um dos principais articuladores do ideário republicano, alicerçado no “pensamento Iluminista de Locke, Hobbes, Rousseau e Montesquieu e sorvido pelo próprio Benjamin Franklin nas Lojas e na literatura maçônica que conheceu”. A declaração de Independência dos Estados Unidos, elaborada por Thomas Jefferson, é o melhor exemplo do pensamento Iluminista de Locke, Hobbes e Montesquieu tornado práxis na edificação da nova sociedade. Este importante documento exalta os valores eternos de Liberdade e Igualdade, que são fins supremos da Maçonaria. A Estátua da Liberdade que é uma síntese desses ideais foi construída por um maçom e inaugurada numa cerimônia maçônica.

O historiador e maçom francês Edouard de Laboulaye foi quem primeiro propôs a idéia do presente, e o povo francês arrecadou os fundos para que, em 1875, a equipe do escultor Bartholdi começasse a trabalhar na estátua colossal. O construtor da estátua da liberdade foi o maçom Frederic-Auguste Bartholdi. Retornando à França, com a ajuda de uma campanha de nível nacional feita pela maçonaria, encabeçada por Edoard, levantou a quantia de 3.500.000 francos franceses, uma quantia muito grande para a época (1870). O projeto sofreu várias demoras porque naquela época não era politicamente conveniente que, na França imperial, se comemorassem as virtudes da ascendente república norte-americana. Não obstante, com a queda do Imperador Napoleão III, em 1871, revitalizou-se a idéia de um presente aos Estados Unidos. Em julho daquele ano, Bartholdi fez uma viagem aos Estados Unidos e encontrou o que ele julgava ser o local ideal para a futura estátua. Uma ilhota na baía de Nova Iorque, posteriormente chamada Ilha da Liberdade (batizada oficialmente como ilha Liberty em 1956). Cheio de entusiasmo, Bartholdi levou avante seus planos para uma imponente estátua. Para o rosto da estátua, escolheu o rosto da sua própria mãe.

Tornou-se patente que ele incorporara símbolos da Maçonaria em seu projeto - a tocha, o livro em sua mão esquerda, e o diadema de sete espigões em torno da cabeça, como também a tão evidente inspiração ligada à deusa Sophia, que compõem o monumento como um todo. Isto, talvez, não era uma grande surpresa, visto ele ser maçom. Segundo os iluministas, por meio desta foi dado "sabedoria" nos ideais da Revolução Francesa. O presente monumental foi, portanto, uma lembrança do apoio intelectual dado pelos americanos aos franceses em sua revolução, em 1789. Um primeiro modelo da estátua, em escala menor, foi construído em 1870. Esta primeira estátua está agora no Jardin du Luxembourg em Paris. Um segundo modelo, também em escala menor, encontra-se no nordeste do Brasil em Maceió. Esse modelo, feito pelo mesmo escultor e pela mesma fundição da estátua original, está em frente à primeira prefeitura da cidade, construída em 1869, onde hoje é o Museu da Imagem e Som de Alagoas.

A estrutura em que a estátua se apóia foi construída pelo Maçom Gustave Eiffel, o famoso construtor da Torre Eiffel. O pedestal sobre o qual se apoiaria a estátua seria construído e financiado pelos americanos.
Essa estátua foi feita de chapas de cobre batido a mão, que foram então unidas sobre uma estrutura de suportes de aço, projetada por Eiffel, com 57 metros de altura, completa, pesando quase 225 toneladas.
São 167 degraus de entrada até o topo do pedestal. Depois são mais 168 degraus até a cabeça. Por fim, outros 54 degraus levam à tocha. A coloração verde-azul é causada por reações químicas, o que produziu sais de cobre e criou a atual tonalidade. Registros históricos não fazem qualquer menção da fonte de fios de cobre usados na Estátua da Liberdade, mas se suspeita que sejam provenientes da Noruega. Foi desmontada e enviada para Nova York, onde então foi montada em um pedestal projetado pelo arquiteto americano e maçom Richard Morris Hunt. A onda de perseguições na Rússia, aos judeus, que resultaram em uma migração em massa para os Estados Unidos, afetou a vida e as ações da poetisa judia americana, Emma Lazarus, de grande renome americano. Mas o que se tornou "o ponto culminante" na vida de Emma foi seu incansável trabalho de assistência aos milhares de refugiados judeus que perseguidos chegavam famintos.

Emma juntou-se ao trabalho da Maçonaria e a grupos judaicos de assistência e lançou-se em todo tipo de trabalho. Nada era duro ou difícil para ela. Chegou a usar seu próprio dinheiro para ajudar os emigrantes em sua fase de adaptação. Trabalhou incessantemente na própria Stanten Island, a famigerada ilha, por onde os emigrantes eram obrigados a passar por uma humilhante seleção, que determinava quem poderia entrar em terras americanas. As palavras e as ações de Emma Lazarus foram de extrema importância nesta época, servindo de incentivo para que muitos outros se juntassem aos esforços dos comitês de ajuda aos refugiados e com grande relevância da Maçonaria Americana.  O soneto de Emma Lazarus, intitulado "The New Colossus", com o famoso verso, está inscrito no pedestal. “Venham a mim as massas exaustas, pobres e confusas ansiando por respirar liberdade. Venham a mim os desabrigados, os que estão sob a tempestade. Eu os guio com minha tocha”.

A estátua foi terminada na França em julho de 1884 e a chegada no porto de New York, em 17 de junho de 1885. Para preparar-se para o trânsito, a estátua foi reduzida a 350 partes individuais e embalada em 214 containers de madeira. (O braço direito e a tocha, que foram terminados mais cedo, tinham sido exibidos na exposição Centennial em Filadélfia em1876, e depois disso no quadrado de Madison em New York City.) a estátua foi remontada em seu suporte novo em um tempo de quatro meses. Para tal, o navio Bay Ridge, levou para a ilha de Bedloy, onde hoje está erguida a estátua. Cerca de 100 maçons, onde o principal arquiteto do pedestal, o maçom Richard M. Hunt, entregou as ferramentas de trabalho aos maçons construtores. A pedra fundamental, a primeira pedra, foi então assente conforme ritualística maçônica própria para esses eventos. As peças que iriam compor a estátua chegaram ao porto de New York, em Junho de 1885; foram montadas sobre a estrutura construída por Gustave Eiffel. A estátua foi inaugurada em 28 de Outubro de 1886. O presidente Grover Cleveland presidiu à cerimônia em 28 de outubro de 1886 e o maçom Bispo Episcopal de New York fez a invocação. O maçom Bartholdi retirou a bandeira francesa do resto da estátua. O principal orador da cerimônia foi o maçom Chaucey M. Depew, senador dos Estados Unidos.
Ir M M Nelson Célio Diniz

Fontes de consulta:
House, Random - The Secret Zodiacs
English history - Texto A Maçonaria e a Estátua da Liberdade



sexta-feira, 20 de agosto de 2010

MILTON LINS, O TRADUTOR

Milton Felipe de Albuquerque, nascido no município do Cabo de Santo Agostinho, graduado em medicina, é contista e tradutor. Como cirurgião salvou inúmeras vidas, embelezando-as com o primor de suas traduções. Milton se fez poeta na difícil arte de traduzir. Nos arranjos melódicos, nas rimas perfeitas, na complexa arte de metrificação dos poemas traduzidos. Traduzir a poesia é uma das mais difíceis formas de expressão literária por exigir não apenas o significado, porém, rimas e demais características próprias do processo. Quem desconhece de idiomas estrangeiros e que, via de regra, atraiçoa o sentido o sentido original das frases. Seja um simples transladar de um idioma para outro, sem refletir a originalidade do texto. No italiano existe,inclusive, um sugestivo jogo de palavras: traduttore-traditore (tradutor-traidor). Domingos Carvalho da Silva, Poeta português que traduziu os 20 poemas de amor e uma canção desesperada, de Paulo Neruda, afirmava que a poesia é intraduzível. Traduzir é escrever novo poema.

Milton enfrentou e venceu até mesmo o desafio de enfrentar a poesia maldita de Rimbaud, eivada de virulência no linguajar, criadora de imagens inusitadas, de rimas imprevistas cujas sutilezas fogem às mentes férteis e ricas em erudição. Acompanhando a criação de autores estrangeiros ele se diz gratificado ao encontrar soluções próprias para por no vernáculo a idéia ou imagem de um poeta maior. Seu trabalho recebeu muitos elogios. De Ledo Ivo: “Felicidades pela sua primorosa tradução que o coloca entre os mais atentos, inventivos e adestrados tradutores de Shakespeare em nossa língua”. De Wilson Martins: “Cumprimento-o pelas admiráveis traduções”. De Ivan Junqueira: “Parabéns pela esplêndida versai dos poemas shakespearianos”. De Mário Gibson Barbosa: “Você soube, numa poética da mais alta qualidade, penetrar a beleza, o ritmo e o sentido profundo dos sonetos de William Shakespeare”. De Fátima Quintas: “Ele se deixa envolver pela arte de traduzir, doando- se de corpo e alma na reconstrução do poema sem desvirtuar sua gênese, num trabalho de artesão que cuida de sua obra com esmeros quase litúrgicos”. De Nelson Saldanha, mestre de todos nós: “Milton Lins, ilustre tradutor de tantos poetas, exímio no recriar e no refazer, inquieto e buscador, lúcido e nunca traditore”.

Entre os inúmeros poetas por ele traduzidos, destacamos Shakespeare, Rimbaud, Baudelaire, André Chérnier, Chateaubriand, Victor Hugo, Melarmé, Verlaine, Alfred de Vingy, Balzac, Téophile Gaultier, Musset, Racine, Saintebeuve, Lamartine e Laconte de Lisle. Tive a honra e o privilégio de escrever o prefácio da tradução dos poemas de Miguel de Cervantes, o imortal autor de Dom Quijote de La Mancha.

Seu trabalho foi reconhecido e sacramentado com o prêmio Odorico Mendes de melhor tradutor brasileiro de 2010, outorgado pela Academia Brasileira de Letras. Participaram da comissão os acadêmicos, Evanildo Bechara, Ivan Junqueira e Carlos Nazae. Ressalve-se que, dentro de sua humildade, Milton não se inscreveu para o concurso: foi inscrito pelos próprios acadêmicos da Academia Brasileira de Letras.

Parabéns ao escritor premiado e às artes literárias pernambucanas. Que mais e justas homenagens lhe sejam prestadas.

Amaury Medeiros é membro da Academia Pernambucana de Letras.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

VERSOS ÍNTIMOS - AUGUSTO DOS ANJOS


Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão " esta pantera "
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!



ABC DE AUGUSTO DOS ANJOS


AMOR - "O amor na Humanidade é uma mentira".
O amor é como a cana azeda, a toda a boca que o não prova engana."

BEIJO - "O beijo, amigo, é a véspera do escarro".

CORAÇÃO DO POETA - "O coração do poeta é um hospital onde morreram todos os doentes".

COVEIRO - "Este ladrão comum - que arrasta a gente para o cemitério".

DOR - "Ancoradouro dos desgraçados, sol do cérebro, ouro de que as próprias desgraças se engalanam!"

INCONSCIENTE - "O Inconsciente me assombra e eu nele rolo".

LUPANAR - "É o grande bebedouro coletivo, onde os bandalhos, como um gado vivo, todas as noites, vêm matar a sede!"

MELANCOLIA - "És a árvore em que devo reclinar-me... Se algum dia o Prazer vier procurar-me dize a este monstro que eu fugi de casa".

MORTE - "Morte, ponto final da última cena".
"Morte - esta carnívora assanhada - serpente má de língua envenenada que tudo que acha no caminho, come..."
"Morte - alfândega onde toda a vida orgânica há de pagar um dia o último imposto!"

MUNDO - "O mundo é um sepulcro de tristeza".

PODRIDÃO - "A podridão me serve de Evangelho".

VERME - "Verme, este operário das ruínas".

VIDA - "Vida, aquela grande aranha que anda tecendo a minha desventura".

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

NOVO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA REFORÇA LIMITES PARA O PROLONGAMENTO DA VIDA

Médicos devem fazer todo o possível para tratar seus pacientes, mas, nos casos em que a cura não é mais viável, vale a pena tentar um procedimento que trará dor, desconforto e apenas mais algumas semanas de vida? A resposta para essa pergunta é não, de acordo com o novo Código de Ética Médica, que já está em vigor no país.

O documento, que descreve os princípios, os direitos e os deveres do profissional de medicina, substitui a versão anterior, de 1988. O texto foi publicado no Diário Oficial da União em 24 de setembro de 2009, mas passou a valer no mês passado, 180 dias depois. "A maior parte das novidades já havia sido aprovada por meio de resoluções, mas o Código tem uma força maior",

A essência permanece a mesma, mas boa parte dos artigos teve redação melhorada para enfatizar conceitos. É o caso de artigos referentes à autonomia do paciente, que valorizam o que a categoria chama de "consentimento esclarecido". Ou seja: o profissional deve aceitar a escolha do paciente em relação a procedimentos diagnósticos e terapêuticos (salvo em casos de risco de morte iminente), depois de informar adequadamente sobre riscos e benefícios. Além disso, não pode se opor ao pedido de uma segunda opinião.

O avanço de tecnologias que permitem o prolongamento da vida também trouxe a necessidade de um artigo mais objetivo sobre os limites da atuação do médico em casos terminais. Se acelerar a morte continua sendo vetado ao profissional de saúde no país, submeter o paciente a tratamentos e exames desnecessários quando a situação é irreversível agora também é expressamente contraindicado. A prioridade, nesses casos, são os cuidados paliativos, para que o paciente sofra o mínimo possível.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

UM CANTO EM SURDINA


GABRIEL DOURADO

Nasceu na Cidade do Cabo. Era formado em Odontologia, foi casado e pai de cinco filhos. Teve intensa vida intelectual e foi um dos fundadores do Grêmio Literário Cabense, entidade que marcou época na cidade e, pode-se dizer, foi o embrião da Academia Cabense de Letras. Escreveu poemas e sonetos importantes e teve em UM CANTO EM SURDINA o seu mais famoso trabalho literário. Como das outras vezes, estamos oferecendo aos nossos leitores a oportunidade de conhecer de perto um dos grandes poetas e intelectuais do passado de nossa cidade.

Cidade de minha infância,
Dos meus sonhos de rapaz,
Dos meus primeiros amores
-dize-me agora,
Aonde vais?

Cidade quase sem ruas,
Apertadinhas demais,
Cidade das boemias,
Dos verdes canaviais
(como aquelas...nunca mais!)

Terra do meu romantismo,
Dos engenhos patriarcais,
Do São João de seu Zumba,
Das loas de Inácio Pais,
Das glosas de Mergulhão,
Chico Taboca e Caju,
De seu “Vigário sem crôa”,
Dos coqueiros de Gaibu.

Cidade das serenatas,
Das cantigas ao luar,
Cidade de tanta história
Sem nenhuma prá contar...

Cidade da minha infância,
Dos verdes canaviais
-Minha cidade querida,
Dize-me agora,
Aonde vais?

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

QUEM DOBROU SEU PARAQUEDAS?



Charles Plumb era piloto de um bombardeiro na guerra do Vietnã. Depois de muitas missões de combate, seu avião foi derrubado por um míssil. Plumb saltou de paraquedas, foi capturado e passou seis anos numa prisão norte vietnamita”.

Ao retornar aos Estados Unidos, passou a dar palestras relatando sua odisseia e o que aprendera na prisão.

Certo dia, num restaurante, foi saudado por um homem:
“Olá, você é Charles Plumb, era piloto no Vietnã e foi derrubado, não é mesmo?”
“Sim, como sabe? Perguntou Plumb”.
“Era eu quem dobrava o seu paraquedas. Parece que funcionou bem, não é verdade?”
Plumb quase se afogou de surpresa e com muita gratidão respondeu:
“Claro que funcionou, caso contrário eu não estaria aqui hoje”.

Ao ficar sozinho naquela noite, Plumb não conseguia dormir, pensando e perguntando-se: Quantas vezes vi esse homem no porta-aviões e nunca lhe disse Bom Dia?

“Eu era um piloto arrogante e ele um simples marinheiro”. Pensou também nas horas que o marinheiro passou humildemente no barco enrolando os fios de seda de vários paraquedas, tendo em suas mãos a vida de alguém que não conhecia.

Agora, Plumb inicia suas palestras perguntando à sua plateia:
“Quem dobrou teu paraquedas hoje?”. Todos nós temos alguém cujo trabalho é importante para que possamos seguir adiante. Precisamos de muitos paraquedas durante o dia: um físico, um emocional, um mental e até um espiritual.

Às vezes, nos desafios que a vida nos apresenta diariamente, perdemos de vista o que é verdadeiramente importante e as pessoas que nos salvam no momento oportuno sem que lhes tenhamos pedido. Deixamos de saudar, de agradecer, de felicitar alguém, ou ainda simplesmente de dizer algo amável.

Hoje, esta semana, este ano, cada dia, procura dar-te conta de quem prepara teu paraquedas, e agradece-lhe. As pessoas ao teu redor notarão esse gesto, e te retribuirão preparando teu paraquedas com esse mesmo afeto. Todos nós precisamos uns dos outros, por isso, mostra-lhes tua gratidão. Às vezes as coisas mais importantes da vida dependem apenas de ações simples.

Só um telefonema, um sorriso, um agradecimento, um Gosto de Você, um “Eu Te Amo.”.

(Desconheço o autor)

terça-feira, 10 de agosto de 2010

TEORIA DAS JANELAS PARTIDAS

Em 1969, na universidade de Stanford (Estados Unidos da América), o professor Phillip Zimbardo realizou uma experiência de psicologia social. Deixou duas viaturas abandonadas na via pública, idênticas, da mesma marca, modelo e até cor. Uma deixou em Bronx, na altura uma zona pobre e conflituosa de Nova Iorque e a outra em Palo Alto, uma zona rica e tranquila

da Califórnia. Duas viaturas idênticas abandonadas, dois bairros com populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em psicologia social estudando as condutas das pessoas em cada sítio.

Resultou que a viatura abandonada no Bronx começou a ser vandalizada em poucas horas. Perdeu as rodas, o motor, os espelhos, o rádio, etc. Levaram tudo o que fosse aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruíram. Contrariamente, a viatura abandonada em Palo Alto manteve-se intacta.

É comum atribuir à pobreza as causas de delito. Contudo, a experiência em questão não terminou aí, quando a viatura abandonada no Bronx já estava desfeita e a de Palo Alto estava a uma semana impecável, os investigadores partiram um vidro do automóvel de Palo Alto.

O resultado foi que se desencadeou o mesmo processo que o do Bronx, e o roubo, a violência e o vandalismo reduziram o veículo ao mesmo estado que o do bairro pobre.

Por que o vidro partido na viatura abandonada num bairro supostamente seguro, é capaz de disparar todo um processo delituoso? Não se trata de pobreza. Evidentemente é algo que tem certo grau de semelhança com a psicologia humana e com as relações sociais.

Um vidro partido numa viatura abandonada transmite uma ideia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação que vai quebrar os códigos de convivência, como de ausência de lei, de normas, de regras, como que vale tudo. Cada novo ataque que a viatura sofre reafirma e multiplica essa ideia, até que a escalada de atos cada vez piores, se torna incontrolável, desembocando numa violência irracional.

Em experiências posteriores (James Q. Wilson e George Kelling), desenvolveram a 'teoria das janelas partidas', a mesma que de um ponto de vista criminalístico, conclui que o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujidade, a desordem e o maltrato são maiores.

Ao quebrar o vidro de uma janela de um edifício e ninguém o concerta, muito rapidamente estarão partidos todos os demais. Se uma comunidade exibe sinais de deterioração e isto parece não importar a ninguém, então ali se gerará o delito.

Se os cidadãos cometem 'pequenas faltas' - estacionar em lugar proibido, exceder o limite de velocidade ou passar um semáforo vermelho, etc. - e as mesmas não são sancionadas, então começam as faltas maiores e logo delitos cada vez mais graves.

Ao permitir atitudes violentas como algo normal no desenvolvimento das crianças, o padrão de desenvolvimento será de incremento da violência quando estas forem adultas.

Se os parques e outros espaços públicos deteriorados são progressivamente abandonados pela maioria das pessoas - que deixa de sair das suas casas por temor à criminalidade -, estes mesmos espaços abandonados pelas pessoas são progressivamente ocupados pelos delinquentes.

A teoria das janelas partidas foi aplicada pela primeira vez em meados da década de 80 no metrô de Nova Iorque, o qual se havia convertido no ponto mais perigoso da cidade. Começou-se por combater as pequenas transgressões: grafites deteriorando o lugar, sujeira nas estações, bêbados perambulando entre o público, evasões ao pagamento de passagem, pequenos roubos e desordens. Os resultados foram evidentes. Começando pelo pequeno conseguiu-se fazer do metrô um lugar seguro.

Posteriormente, em 1994, Rudolph Giuliani, prefeito de nova Iorque, baseado na teoria das janelas partidas e na experiência do metrô, impulsionou uma política de 'tolerância zero'.

A estratégia consistia em criar comunidades limpas e ordenadas, não permitindo transgressões à lei e às normas de convivência urbana. O resultado prático foi uma enorme redução de todos os índices criminais da cidade de nova Iorque.

A expressão 'tolerância zero' soa a uma espécie de solução autoritária e repressiva, mas o seu conceito principal é muito mais a prevenção e promoção de condições sociais de segurança. Não se trata de linchar o delinquente, nem da prepotência da polícia, de fato, a respeito dos abusos de autoridade deve também aplicar-se a tolerância zero.

Não é tolerância zero em relação à pessoa que comete o delito, mas tolerância zero em relação ao próprio delito. Trata-se de criar comunidades limpas, ordenadas, respeitosas da lei e dos códigos básicos da convivência social humana.

Prof. Philip Zimbardo é professor da Universidade de Stanford desde 1968. Em 2003 recebeu o Prêmio IgNobel de psicologia pela sua tese em que descrevia os políticos como Uniquely Simple Personalities. Em 2005 Recebeu o Havel Foundation Prize pela sua vida de pesquisas sobre a condição humana.
Está atualmente trabalhando na cronologia da Experimento do aprisionamento de Standford e sua relação com os abusos na prisão de Abu Ghraib e outras formas de vilanias. Deverá ser lançado no verão de 2007 o seu livro O Efeito Lúcifer: Entendendo como pessoas boas se tornam diabólicas (The Luficer Effect: Understanding How Good People Turn Evil). O Dr. Zimbardo foi presidente da Western Psychological Association em duas ocasiões, Presidente da American Psychological Association, e escolhido Chair do Council of Scientific Society Presidents (CSSP).

 

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

UMA LENDA MAÇÔNICA DO TEMPO

Por Moacir José Outeiro Pinto

Um dia um velho pedreiro, livre e de bons costumes, sentado em uma pedra bruta, pôs-se a pensar sobre sua vida e sobre o seu trabalho de edificação numa bela cidade.

Como em um passe de mágica, o tempo começou a se mover, tudo ao seu redor começou a girar, e o pedreiro se viu dentro de um grande vórtice, onde o tempo caminhava para trás. Logo, em seguida, percebeu que estava em sua consciência o poder que fazia mover o tempo. Foi quando de repente, o tempo parou, tudo a seu redor eram trevas, havia silêncio, apenas uma voz inaudível falava em diálogo mudo em sua consciência. A voz do silêncio era sua única companhia. Naquele momento o silêncio lhe falava de um caminho que devia seguir e, que nela faria muitas viagens.

Gira mais uma vez o tempo, agora começa a se movimentar para frente, um vórtice lento se forma, mais tudo era escuridão. De repente, uma voz poderosa rasga o silêncio em meio a escuridão, dizendo: “Faça-se a Luz”, e um novo ritmo se estabeleceu. No meio de sons de batidas a voz disse: Sic trasit gloria Mundi”, e a luz rompeu as trevas de sua consciência.

Em meio a um cataclisma emocional, atordoado pelo barulho e ferido pela luz, veio a surpresa.

Entre os raios de luz que ofuscavam seus olhos, reconhecia amigos e cada um lhe apontava uma aguçada espada. E a voz que habitava o oriente brandou dizendo: “Não vos assusteis. Estas espadas a vós apontadas, significam que estão prontas a vos defender, mas também zelarão pela lei, caso vos falteis para com ela”.

Nesse momento, o tempo avançava novamente e tudo ao seu redor começava a girar, e ele viaja mais uma vez no tempo e, quando o tempo parou, lá estava ele se vendo como um Aprendiz nos mistérios da Edificação. Tinha no peito um grande orgulho e, uma motivação que transparecia no seu semblante. Faceiro, orgulhoso incansável de seu ofício, com braço firme, cheio de força, desferia o malho sobre o cinzel que apontava a pedra bruta.

Ao seu lado, incansável, o seu Mestre que lhe ensinava com satisfação todos os segredos do ofício, do empunhar do cinzel ao traçar da régua. Tudo tinha que ser justo e perfeito. O Mestre era rigoroso e tinha consciência da necessidade de agir como tal, porém era brando, paciente e muito tolerante.

O Mestre ensinava seu ofício com habilidade e sabedoria, transmitindo confiança e motivação a seus aprendizes. Ensinava que do conhecimento nasce a perfeição e, desta advém o equilíbrio. Ensinava, ainda, que a pedra teria que ser bem escolhida para poder ser bem trabalhada. Suas dimensões bem definidas e suas arestas bem aparadas, pois, a beleza da construção do edifício dependia desse trabalho. Era preciso conhecer, muito bem cada detalhe, do empunhar do cinzel ao golpe do maço, pois um desvio do cinzel ou uso errado da força, a pedra semidesbastada se tornaria bruta novamente. Na execução desse trabalho, ensinava que o corpo, a mente e razão deveriam tornar-se uma só entidade. O Mestre ensinava, ainda, que a majestade e a resistência do edifício está na dependência das bases onde foi construído. Somente uma base sólida é capaz de substituir à ação do tempo.

Assim, destacava que apenas um bom pedreiro constrói com perfeição e, que só um bom Aprendiz chega a se tornar um bom Mestre, porque só ensina aquele que, bem aprende, quer e tem competência.

Era uma grande escola, ali se ensinava verdadeiramente a Maçonaria.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

COMEÇANDO O SEXTA DE LETRAS





Será nesta sexta-feira, dia 6 de agosto, às 19 horas, o lançamento do Projeto "SEXTA DE LETRAS", da Academia Cabense de Letras. O evento acontece na Câmara de Vereadores do Cabo e se repetirá toda primeira sexta-feira de cada mês.

O Projeto abre as portas das reuniões da Academia, possibilitando à população conhecer as reuniões dos acadêmicos. Na primeira sexta, dia 6 de agosto, haverá palestra do Acadêmico Nelino Azevedo, sobre "A Educação Libertadora de Paulo Freire" e um debate entre os acadêmicos e um espaço que será dedicado à participação do público.

A programação até Dezembro de 2010 é a seguinte:

6 de agosto: A EDUCAÇÃO LIBERTADORA DE PAULO FREIRE (Nelino Azevedo)

3 de setembro: A OBRA DE GRACILIANO RAMOS (Douglas Menezes)

1 de Outubro: JOSUÉ DE CASTRO E A GEOGRAFIA DA FOME (Frederico Menezes)

5 de Novembro: A OBRA DE PAULO CULTURA (Natanael Lima Júnior)

3 de Dezembro: ESPERANTO LÍNGUA INTERNACIONAL (Vera Rocha.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

AOS QUE VIEREM DEPOIS DE NÓS

Bertolt Brecht
(Tradução de Manuel Bandeira)

Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
[(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.

Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.

Bertolt Brecht nasceu em Augsburg, Alemanha, em 1898. Em 1917 inicia o curso de medicina em Munique, mas logo é convocado pelo exército, indo trabalhar como enfermeiro em um hospital militar. Aquele que iria se tornar uma das mais importantes figuras do teatro do século XX, começa a escrever seus primeiros poemas e cedo se rebela contra os "falsos padrões" da arte e da vida burguesa, corroídas pela Primeira Guerra. Tal atitude se reflete já na sua primeira peça, o drama expressionista "Baal", de 1918. Colabora com os diretores Max Reinhardt e Erwin Piscator. Recebe, no fim dos anos 20, instruções marxistas do filósofo Karl Korsch. Em 1928, faz com Kurt Weill a "Ópera dos Três Vinténs". Com a ascensão de Hitler, deixa o país em 1933, e exila-se em países como a Dinamarca e Estados Unidos da América, onde sobrevive à custa de trabalhos para Hollywood. Faz da crítica ao nazismo e à guerra tema de obras como "Mãe coragem e seus filhos" (1939). Vítima da patrulha macartista, parte em 1947 para a Suíça — onde redige o "Pequeno Organon", suma de sua teoria teatral. Volta à Alemanha em 1948, onde funda, no ano seguinte, a companhia Berliner Ensemble. Morre em Berlim, em 1956.

O poema acima foi extraído do caderno "Mais!", jornal Folha de São Paulo - São Paulo (SP), edição de 07/07/2002, tendo sido traduzido pelo grande poeta brasileiro Manuel Bandeira.