sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

UM PASSO ATRÁS


                                                                                                                                           

José Maurício Guimarães

Uma renúncia nem sempre é ato de fraqueza. Dar um passo atrás (ou vários, de marcha a ré) pode ser uma atitude no mínimo corajosa; no máximo, heróica.    
Não estou falando do "pulo do gato", salto prá trás para se safar. Refiro-me ao metafísico do Shaolin, do  Kung Fu, Caratê ou Jujutsu; e do bambu, que se deixa envergar para retornar à posição inicial através do impulso de sua flexibilidade. Refiro-me ao abandono de algum direito, o afastar-se com passo de Mestre sem desistir de suas convicções, sem perder o interesse pela causa, sem desistir da luta ou dar-se por vencido.    
Enquanto o "pulo do gato" é para se safar (daí o termo safado - sujeito que não tem vergonha de seus atos censuráveis), a renúncia de algum direito, especialmente de um cargo, tem a marca da grandeza e da verdadeira humildade. E mais: de respeito aos semelhantes.        
Não pretendo discutir sobre religião, nem analisar o complexo cenário diante do qual se desenrola a renúncia do atual Papa Joseph Ratzinger*, cujo nome episcopal é Benedictus PP. XVI.
"Mais que as razões de saúde, existiriam razões de Estado que teriam levado Bento XVI a anunciar a renúncia de seu papado", dizem os observadores especializados; mas o que valoriza o atual momento histórico é a coragem de dizer NÃO e do passo atrás, seja por decisão própria (foro íntimo) ou pela pressão insuportável de circunstâncias externas.   
Joseph Ratzinger disse NÃO às milenares tradições da Igreja Católica Romana e deu o tal passo onde muitos bem-safados insistiriam sob o falso pretexto de "honra" ou alegando "cumprimento do dever".
O primeiro dever de um homem é diante de sua consciência e o bem do próximo.         
As instituições estão em crise desde a segunda metade do século passado, agravando-se o desgaste das religiões e o estado de incerteza das ordens sacerdotais, monásticas, esotéricas e escolas ditas herméticas. Presenciamos os diversos aspectos da "evaporação da fé" - palavras do próprio Papa Joseph Ratzinger ao constatar que "a sociedade se tem se tornado mais dura" e que "o cristianismo se encontra imerso em uma profunda crise que é consequencia da crise de sua pretensão de verdade" (do livro “Deus existe?” transcrito do debate entre Joseph Ratzinger e Paolo d’Arcais no ano 2000 Editora Planeta, 2009).
- No atual panorama, só mesmo a estupidez dos renitentes e o apego ao poder por parte dos confusos e obstinados líderes das instituições não nos deixa ver que o sentido e o espiritual da vida vem sendo desfeito desde o final da Segunda Grande Guerra Mundial. É a vaidade e as raízes secas do formalismo e da ritualística vazia que têm mantido esses sonhadores atrelados em seus frágeis baluartes, sob a alegação falaciosa de que o materialismo selvagem faz parte da "natureza humana".
O que temos visto são chefes de estado que, terminados seus mandatos, insistem em permanecer nas sombras do poder; são os pequenos mandatários que, após vencidas suas pífias gestões, assumem o papel de papagaio-de-pirata no ombro esquerdo do novo mandante; são esses pseudo-líderes alternando o estado e a respiração artificial com atos de governante, atropelando assim a sociedade pela covardia e o medo da renúncia, do adiós, hasta la vista!
Joseph Ratzinger compreendeu isso e pegou de surpresa aqueles que o consideram um homem rancoroso, um xerife da fé e um conservador radical. Ele demonstrou que renunciar não condiz com o conservadorismo, nem com o que se espera do mais alto cargo do Vaticano, uma das mais elevadas influências na política mundial.
Bravo foi Joseph Ratzinger, e o que virá em seguida dependerá da reposta deste século diante do que acaba de acontecer.
...
* NOTA:
Não estou defendo Joseph Ratzinger como um "bravo guerreiro". Apenas cito a renúncia como um exemplo para o mundo atual onde ninguém é capaz de abrir mão de um pirulito sequer.

José Maurício Guimarães
 

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