sábado, 6 de agosto de 2011

A CERTEZA DA ARANHA


Roberto Menezes*


Uma aranha tecelã na cela
É minha última companhia
Que tece os fios invisíveis
De uma melancólica manhã
Aranha que tece o tempo
Enquanto junta seus fios
Que parecem fortes
como as correntes
Que me prendem como bicho
Nesta escura cela fria
Por lutar contra reis e poderes
No refúgio inútil da utopia.

Minha amada, estás longe
E eu aqui sem liberdade
Só posso na imaginação
Tocar, lamber, cheirar, beijar
Teu corpo, tua intimidade.

Julgado e condenado
Cravo minha unha na parede
Para apagar o teu nome
Escrito num desatino
Porque não quero pra ti
Esse meu cruel destino.

Na cela fria e escura
onde espero a morte
Uma aranha tece poemas
pra mim
E deixa neles a certeza
De que está perto
o meu fim.

Sim
Já ouço os passos
Dos meus algozes e um padre
Pra encomendar minha alma.
Penso em ti, minha amada,
Nas tuas coxas, no teu sexo, nos teus pelos.
E minha língua e nariz são os donos
Dos teus gostos e cheiros mais ocultos.

Me sobrevém uma grande calma
E encaro o sacerdote
que abria um missal :
“Padre, como posso
salvar a sua alma
Da hipocrisia e do mal ?”
Um soldado me esbofeteia
E me empurra pra fora da cela
Agora mais fria porque vazia.

Só ficou a aranha e sua alegria
Rindo do padre, rindo de mim
Tecendo a teia sem parar
para seu próximo companheiro:
Um outro prisioneiro
Que na certa vai chegar

Madrugada de 21/março/2011

*Roberto Menezes é jornalista

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