sexta-feira, 3 de junho de 2011

O PAPEL DA ESCOLA NA HUMANIZAÇÃO DAS PESSOAS

Nelino Azevedo de Mendonça

A importância de repensar o papel da escola enquanto instituição responsável pelos processos formativos destinados às maiorias sociais surge, atualmente, como uma condição fundamental para que se possa reorientá-la na direção dos interesses, anseios, desejos e realidade sociocultural das classes populares.


Tal necessidade se justifica pelo fato de a escola não responder, tanto na sua concepção quanto na sua organização, às expectativas que as classes populares da sociedade esperam dela, que é contribuir de forma substantiva para o seu êxito social. Essas questões devem ser consideradas para que se repense a escola no que diz respeito ao seu papel histórico, à sua meta educacional e à sua finalidade, enquanto ofertante de processos educacionais dirigidos às populações historicamente excluídas da sociedade.

Em conversa sobre o papel e o futuro da escola, Miguel Arroyo afirma que a escola básica se construiu de maneira muito descaracterizada, sempre foi uma escola para algo, uma escola para tirar os analfabetos do analfabetismo, ou para preparar o cidadão para a República, ou para o emprego, ou para o vestibular. A escola e a educação básica tiveram um caráter propedêutico, preparatório: preparatório para a próxima série, para o próximo nível, preparatório para a sobrevivência (2003, p. 128).

Por essa razão, a escola deve ser reconstruída na perspectiva de se transformar num ambiente formativo de processos socioeducacionais capazes de contribuir significativamente na formação humana dos sujeitos, de modo pleno e integral, e não se limitar a ser um espaço apenas para a escolaridade das pessoas. Reduzir a escola a uma agência de transmissão de saberes formais, preocupada exclusivamente com os conhecimentos instrumentais, que são aqueles organizados pelas diversas áreas de conhecimentos (matemática, língua portuguesa, geografia, história, entre outras), é desvirtuar a verdadeira função social, pedagógica e política da escola.

É certo que esses conhecimentos são fundamentais para a construção das competências e habilidades dos sujeitos, contudo, são insuficientes e limitados, quando se pretende a formação integral dos seres humanos. Para isso, a escola deve desenvolver a sua função socioeducativa, articulando os conhecimentos instrumentais com os conhecimentos educativos e os conhecimentos organizativos, como defende Souza. São conhecimentos educativos aqueles que vão possibilitar aos sujeitos a construção de sua identidade enquanto ser, enquanto pessoa que se constitui cidadão/cidadã com capacidades de viver/conviver no meio social; os conhecimentos organizativos vão contribuir para a ação/intervenção, individual e coletiva, na sociedade.

Os seres humanos constroem sua identidade pessoal e social em contextos históricos e culturais, a partir de processos relacionais consigo mesmos, com os outros e com o mundo. É nessa relação interativa e dialógica que os seres humanos se diferenciam dos outros animais e é, exatamente por isso, que a escola deve ser um espaço de confrontação e diálogo de saberes, sejam eles saberes formais, informais, particulares, populares, científicos. É através desse diálogo que novos saberes serão construídos. Mas esses novos saberes deverão ter um sentido, uma validade, uma importância subjetiva e objetiva para a vida das pessoas, para que cada cidadão e cada cidadã possam ter maior capacidade e poder de intervenção na sociedade e, consequentemente, torná-la menos desumanizante e mais humanizada.

Considerando o contexto e a perspectiva que se pretende para a escola, enquanto propulsora de processos educativos capazes de contribuir para o sucesso escolar e social das camadas populares da sociedade e de sua permanente humanização, Souza afirma que se a escola pretende garantir as finalidades da educação básica, precisa desenvolver uma “educação como processos e experiências de humanização do ser humano, incluindo, portanto, as questões do trabalho, da cidadania, do respeito aos outros e às outras, o desenvolvimento cultural de todas em todos os quadrantes da terra” (2004, p. 73).

Pode ser a partir desta proposição que se construam os fios que vão tecendo o caminho que rompa com o atual modelo educacional e faça surgir uma escola que em lugar de ter caráter meramente escolarizante, seja capaz de construir novas relações humanas e contribuir para os processos de humanização. Uma escola que compreenda que a construção das identidades pessoais e coletivas exige o reconhecimento e a valorização das culturas locais, regionais e universais; uma escola que assegure uma convivência democrática capaz de comportar as diversas formas de convivência de classe, de etnia, de gênero, de credo, de idade, de linguagem, de opção sexual, de ideologia. Mas, ao mesmo tempo, uma escola que rompa “radicalmente com as formas de dominação e exploração ideológicas e históricas da vida humana, como, também, despoluírem-se dos ranços preconceituosos e discriminatórios que pregam e impõem uma unidade que não admite nem reconhece a presença das diferenças”. (MENDONÇA, 2006, p. 111)

A superação desse modelo de escola exige, além de uma grande reestruturação do sistema econômico e social do país e de novas políticas sociais que estejam a favor das maiorias sociais excluídas dos direitos básicos e fundamentais, uma mudança de mentalidade que reconheça o ser humano como sendo a razão central de qualquer tipo de transformação e desenvolvimento social. De acordo com Lima, “a democracia, a solidariedade e o bem comum continuam a representar os maiores problemas da escola pública” (2006, p. 26), mas é exatamente porque o aperfeiçoamento social, a democracia, o bem comum e a solidariedade são os maiores bens na construção da humanização dos seres humanos.

Nelino Azevedo de Mendonça é professor universitário e presidente da ACL Academia Cabense de Letras.

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