Reli, outro dia, um texto do jornalista Cláudio Abramo, intitulado Inventário
da Infância Perdida, onde o autor expõe a decadência e a amargura por que passa o ser
humano a partir dos quarenta anos. Publicada há cerca de quinze anos, essa
crônica nos traz uma preocupação que, na verdade, se torna fonte de
angústia, ao longo da existência.
Ousei, em sala de aula, trabalhar o escrito citado. Senti,
entretanto, não haver empatia por parte dos alunos, adolescentes
com outras preocupações. Uma aluna questionou: “Que texto
depressivo!”. Peixe fora d’água eu estava. Filosofia vã em plena era digital.
Mas resolvi comentar aqui o porquê do autor ser tão pessimista, tão desconstrutivo
no tocante à maturidade e à velhice. E fiquei a pensar: realmente, em parte, o
autor tem razão quando questiona a visão romântica de que a infância é um
doce paraíso de pureza e sonho. Consagrados autores brasileiros desconstruíram
a concepção idílica da primeira idade. A aurora da vida foi para
Sérgio de o Ateneu uma dolorosa experiência de descobertas nocivas:
a constatação da hipocrisia, da falsidade, da ganância e apenas o domínio da
aparência sobre a essência. O grande mago Machado de Assis já observava
isso: a total descrença no ser humano. José Lins do Rego, no Romance
Doidinho realiza uma Intertextualidade com o livro de Raul Pompéia, analisa
e desmistifica essa infância cheia de luz e amor. Não-raro, o sonho de um
futuro promissor, o quando crescer vou ser isto ou aquilo, torna-se uma
sucessão de mediocridades e de vida comum. Afinal, não são muitos os famosos do
mundo. Não caberia fama, prestígio a todas as crianças sonhadoras. A
existência, então, impõe-se como algo que se aproxima mais do personagem da
música de Raul Seixas às avessas: a gente se senta num trono de
apartamento esperando a morte chegar. E,
mais das vezes, a busca pelos aspectos místicos, por algum tipo de religião, transforma-se,
aí sim, num bálsamo, num alento, numa espécie de redenção de fim de vida. Na
verdade, diante das frustrações óbvias, as pessoas se enganam, talvez, com
qualquer consolo, desde que esse algo dê tranquilidade e coloque a ilusão de
que valeu a pena.
Todavia, dói saber que ter o a carro do ano, morar na zona sul do Recife, ou
aposentar-se com proventos maiores, isto não foi o bastante. Ou tenha
sido tão-somente uma fuga, uma satisfação por não ter conseguido dar um maior
sentido à vida. E as conquistas materiais alimentam um discurso já não
suficiente.
Por isso, o texto de Cláudio Abramo é pedagógico e, embora amargo, encerra
a concepção de que somos nada ou talvez tudo, dependendo de como encaramos as
dificuldades da existência. Mostra-nos, inclusive, o falso conceito de que a
maturidade traz equilíbrio e sensação de dever cumprido. O vulcão jogando
labaredas imensas. Apenas não é visto. Só o sofrido cristão sabe. Então, essa
pretensa felicidade é mais uma utopia humana, que jogamos para os filhos e
netos. Se dói ou não, alguém ou muitos pensam assim. E, por certo, não estão
totalmente sem razão. Há suicidas que dedicaram a vida a vender felicidade aos
outros, em livros e palestras, indicando a fórmula de ser feliz.
Mas, enfim, você, leitor, pode perguntar: E você? Eu vejo tudo com um misto de otimismo velado e um pessimismo calcado no que a realidade nos mostra. Deixando sempre uma ponta futurista que acredita num mundo melhor.
Mas talvez ainda a pergunta que não quer calar. E você? Eu... eu, por enquanto escrevo pela madrugada. Escrevo para não morrer.
Douglas Menezes é membro da Academia Cabense de Letras