Algumas farpas lançadas pelo escritor Lêdo Ivo, 86 anos
- É claro que a exuberância da paisagem atrapalha. Veja o problema amazônico: a paisagem no Brasil sai pelo ladrão. Isso se reflete na literatura brasileira. É uma literatura muito paisagística, muito cosmética. É raro, no Brasil, um escritor do tipo de Machado de Assis, um “tatu literário", que sonda as almas. Uma das funções da literatura é o estudo da condição humana. Você não pode fazer uma literatura cosmética, só de fora. Você tem de fazer uma literatura “de dentro”. Isso falta ao Brasil! É um país que tem uma literatura muito desespiritualizada, uma literatura muito de superfície.
- O calor excessivo não ajuda a reflexão. Os escritores europeus produzem, em geral, nos meses de frio. Baudelaire anseia pelo frio para escrever seus poemas! Aqui no Brasil, o calor atrapalha muito”.
- Não consigo passar da página três de nenhum livro de teoria literária, porque não sei em que língua são escritos.
- O sistema de difusão cultural no Brasil mudou. Já não temos críticos literários. Quando surgi, havia críticos como Antônio Cândido, Sérgio Buarque de Holanda, Álvaro Lins e Wilson Martins – que me reconheceram. Pude sair do anonimato e me tornar uma figura pública. Hoje, o ”juiz literário” do poeta é o repórter do segundo caderno.
- Antes, vinha gente de Minas Gerais para ver Olavo Bilac passar na avenida. Hoje, ninguém vem nem de Nova Iguaçu para ver um de nós passar pela avenida Presidente Wilson!” - Noto que os jovens poetas não têm o senso da tradição literária. Não leram Dante, não leram Skakespeare. Não é culpa deles apenas. É culpa do sistema educacional ! As escolas começaram a privilegiar o presente, como se o Brasil tivesse começado na Semana de Arte Moderna!
- Desde que, na ditadura militar, se substituiu o estudo da gramática pela chamada “comunicação e expressão”, as novas gerações começaram a falar muito mal. É uma linguagem padronizada – e, às vezes, de grunhidos…
Lêdo Ivo (Maceió, 18 de fevereiro de 1924) é um jornalista, poeta, romancista, contista, cronista e ensaísta brasileiro.
Seu primeiro livro foi As Imaginações. Fez jornalismo e tradução. Da sua vasta obra, destacam-se títulos como Ninho de Cobras, A Noite Misteriosa, As Alianças, Ode ao Crepúsculo, A Ética da Aventura ou Confissões de um Poeta.
É membro da Academia Brasileira de Letras, eleito em 1986 para a cadeira 10, sucedendo a Orígenes Lessa.
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